Coluna – Por Professor Edson Silva destacando Educação da criança e Formação escolar, em tempos de Pandemia
Por certo que vivemos momento ímpar na história da humanidade, e mais importante, após um século da pandemia anterior (1918-1920).
O processo de educação era completamente diferente. Na família o pai era único provedor, a mãe se ocupava unicamente dos cuidados do lar, e educação dos filhos. O acesso à Formação Escolar era restrito a poucos que habitavam grandes centros. No interior do Brasil a população era prioritariamente rural, com acesso apenas a formação básica.
Nesse intervalo de tempo (inter pandemias) saímos da era da agricultura, passamos pelo processo de industrialização do país, ingressamos no século da biotecnologia, acompanhando mudanças radicais nos costumes, hábitos, processos educacionais, sanitários, governabilidades, mídias, que fez a população experimentar transformações excepcionais.
Mas nenhum desses fenômenos apanhou a sociedade de forma tão abrupta, a ponto de não imaginar como será o dia de amanhã. Pessoas que pareciam sadias adoecem e vão a óbito, de repente; empresas e empregos anoitecem e não amanhecem; governos não sabem que rumo tomar; o processo educacional, formal e informal, está seriamente comprometido, quer no aspecto do calendário escolar, quer na educação proveniente da família em desequilíbrio estrutural.
Educação da criança no processo convencional
Educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (CF artigo 205).
O que se nota em boa parte da sociedade é a terceirização da função de educar sua prole; muitos entendem esse poder/dever de “educar” às instituições de ensino, se colocando como meros provedores e defensores dos direitos dos próprios filhos em face de uma estrutura educacional “falha”, pois julgam não serem preparadas para educar da maneira correta.
Aqui cabe buscar o significado da palavra “prover” – abastecer, fornecer, munir. Esse prover não se dá apenas com a matrícula do filho, no momento correto e mantê-lo matriculado enquanto estiver em período obrigatório de estudos.
Convém buscar em nossa Carta Magna entendimento desse “prover”:
Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade.
Está claro, legalmente, a responsabilidade dos pais e faz parte do contexto do Poder Familiar.
Nosso Código Civil, também estabelece clareza na responsabilidade dos pais, “qualquer que seja a sua situação conjugal” – art. 1.634 I, como também o Estatuto da Criança e da Adolescência em seus arts. 4º e 22º, caput e parágrafo único, no que diz respeito a Educação da criança.
Formação escolar, Educação Formal
De responsabilidade das instituições de ensino, que consiste na transposição, no fomento e na criação de conhecimento científico, necessário ao desenvolvimento humano, no singular e no plural.
Esse um dever legal do Estado, suprida através do sistema educacional.
A Educação Formal começa e se mantém, primeiramente em casa, utilizando-se de fundamentos básico da “criação” para preparar o pequeno ser humano para adquirir ferramentas de desenvolvimento, dentre elas o conhecimento, complementando com a participação do Estado.
O ECA trata dos deveres do Estado quanto a Educação Formal em seus arts. 53, 54 e 56.
Pandemia e educação parental
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O contexto familiar consiste no primeiro microssistema em que se constroem as interações proximais face a face significativas entre os cuidadores principais e as crianças em desenvolvimento (Bronfenbrenner, 2011). Nesse microcontexto, os pais desenvolvem a função parental de cuidar e educar as crianças, conduzindo-as até a maturidade para atingir sua autonomia, independência e comportamento adaptativo. De acordo com Barroso e Machado (2015), a parentalidade representa o cuidado parental que inclui aspectos físico, emocional e social que visam atingir desenvolvimento saudável das crianças. Os pais precisam ter comportamentos e atitudes promotores de segurança e autonomia das crianças, a fim de desenvolver a capacidade de tomar decisões, assim como assegurar o desenvolvimento de habilidades sociais. A parentalidade positiva promove o cuidado físico (alimentação, higiene, vestuário para proteger), emocional (comportamento parental para promover apego, segurança e autonomia para tomadas de decisão) e social (estimulação das relações interpessoais ampliadas) (Linhares, 2015).
Os cuidados parentais de suporte às crianças para o desenvolvimento e aprendizagem em sua trajetória, caracterizado por afetividade, reciprocidade, responsividade, calorosidade, encorajamento, ensino e comunicação positiva, constitui-se na parentalidade positiva ou pró-desenvolvimento, especialmente relevante no contexto da pandemia da COVID-19 (Moratori & Ciacchini, 2020).
A determinação do distanciamento social, que leva ao confinamento no contexto doméstico, como única forma de prescrição disponível para o enfrentamento dessa adversidade, trouxe novos e grandes desafios para as famílias, tais como: convivência próxima por longos períodos de tempo; ausência da rotina de ir a escolas, creches, núcleos assistenciais, esporte e lazer; trabalho realizado à distância dos pais; rearranjo do ambiente físico para acomodar as demandas de trabalho, estudo e brincadeiras; sobrecarga de trabalho doméstico; instabilidade no emprego, desemprego e problemas financeiros; falta ou irregularidade do suporte regular dos serviços de saúde e assistência social e comunitária à família, separação de familiares, entre outros.
Formação escolar no contexto COVID-19
Paralelamente, devido ao distanciamento social, as crianças não estão frequentando a escola, que é um segundo microssistema essencial ao desenvolvimento e aprendizagem. Além das grandes perdas do processo de aprendizagem formal, as crianças estão sendo privadas da necessária socialização com os pares, em que ocorrem aprendizados significativos para o desenvolvimento humano, tais como: experiências lúdicas compartilhadas, que implica em interações proximais face a face; cooperação; convivência com as diferenças; compartilhamento de decisões; enfrentamento de desafios; negociação de conflitos; adiamento de gratificações; espera da sua vez; exercício controle de impulsos; entre outras habilidades. No caso da Educação Infantil, tem-se a grande limitação de não poder ser realizada à distância e, no caso do Ensino Fundamental, o fato de o aprendizado ser realizado exclusivamente à distância gera um excesso do uso de telas, o que pode ser prejudicial ao desenvolvimento e saúde das crianças (Holmes et al., 2020; Sociedade Brasileira de Pediatria, 2020). A educação feita à distância requer adaptações da estrutura e do currículo com incorporação de recursos tecnológicos e de comunicação. No caso da Educação Infantil, a educação à distância priva a criança de experiências concretas em um espaço coletivo compartilhado e de relações proximais. Pode-se verificar que a ausência do suporte educacional ou a realização do ensino fragmentado feito à distância, sem prévia estruturação e organização adequada, pode se constituir em um fator de risco ao desenvolvimento das crianças que merece ter os seus efeitos adequadamente investigados (Holmes et al., 2020).
Consequência do distanciamento social – eventos estressores
De acordo com Shonkoff (2012a), o “estresse positivo” se refere a estados psicológicos com curta duração leve a moderada, que pode ser positivamente manejada com adequado suporte social. O “estresse tolerável”, por sua vez, está associado a experiências que apresentam alto nível de adversidade e ameaça ao indivíduo, porém com a presença de mecanismos de proteção psicossocial; o “estresse tóxico” envolve a reatividade intensa e prolongada frente a adversidades, com diversas consequências deletérias ao desenvolvimento e saúde (Branco & Linhares, 2018; Shonkoff et al., 2012a).
As crianças expostas a contextos estressores mostram alto nível de cortisol, hormônio regulador do estresse, em comparação a crianças que não vivem nesse contexto (Slopen, McLaughlin, & Shonkoff, 2014). As alterações do cortisol relacionam-se com o sistema imunológico e sistema nervoso que se relaciona à emoção, memória e aprendizagem (Shonkoff, Richter, van der Gaag, & Bhutta, 2012b). O estresse tóxico pode causar hiperatividade nos circuitos neuronais que controlam as respostas de medo, provocando uma interpretação no cérebro de ameaça, que pode levar a respostas de agressão como defesa (Branco & Linhares, 2018). No contexto da pandemia do COVID-19, as crianças e os pais estão lidando com situações altamente estressoras que ameaçam a capacidade de enfrentamento adaptativo.
Rotinas a ser desenvolvidas para a manutenção da estabilidade nesse processo sanitário
Medidas simples podem ser adotadas para manter a estabilidade, estruturação e organização do ambiente doméstico, a fim de evitar o ambiente caótico e estressor e oferecer suporte e segurança às crianças, como por exemplo: estabelecer e manter horários, rotinas e tarefas no ambiente doméstico; dividir tarefas e responsabilidades entre os familiares; organizar os espaços possíveis em cômodos ou cantos com os materiais para as diferentes finalidades de atividades de trabalho, estudo e lazer; manter ativo o exercício da autonomia e controle realizando escolhas e tomadas de decisão no contexto do grupo familiar, sempre mediante a análise de alternativas possíveis; preservar os horários prazerosos de brincadeiras, conversas e leituras dirigidas para as crianças da casa; estabelecer comunicação positiva com as crianças atendendo às suas dúvidas e ouvindo com atenção comentários e expressão de sentimentos; conversar com as crianças sobre as limitações e restrições necessárias do momento; evitar os excessos de notícias e comentários negativos sobre o atual momento; compreender que nas crianças, por serem mais vulneráveis e dependentes, podem surgir ou acentuar-se algumas dificuldades funcionais (sono, alimentação e controle dos esfíncteres) ou comportamentais (agitação, birras, agressividade, isolamento e timidez), ou mesmo podem regredir em algumas aquisições previamente adquiridas (fala “infantilizada”, relaxamento do controle dos esfíncteres, dificuldades de autocuidado e higiene), o que vai exigir maior tolerância e ajuda por parte dos cuidadores, sem punições verbais ou físicas contra as crianças.
Futuro
Alguns indicativos, nenhuma certeza. Diante de uma inusitada situação de caráter universal experimentos sanitários, sociais, trabalhistas, administrativos, educacionais tem sido praticados para minimizar o que entendíamos impossível com a biotecnologia ao alcance das ciências e dos governos. Tratamentos paliativos tem sido utilizados e alcançado sucesso parcial, mas apenas vacina específica nos imunizará do COVID-19, o mal desse início de século.
Edson Silva, 23 julho 2020
Consultas bibliográficas
https://jus.com.br/artigos/69434/a-responsabilidade-dos-pais-na-preparacao-dos-filhos-no-recebimento-da-educacao-formal-escolar
https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-166X2020000100510
Professor Edson Silva Mestre em Ciências da Saúde, UNB; Auditor ISO 14.000; Auditor CONAMA 306; Pesquisador em Saúde Pública.