RELATO: “Quando reencontrei meu pai, depois de anos sem vê-lo, ele se apresentou como Luana”
“Sempre apaixonados, meus pais formavam um casal típico: namoraram, noivaram e casaram-se na igreja com véu, grinalda, flores e festa. Exatamente como manda o figurino. Nasci sete anos depois para completar a vida deles, que já era quase perfeita. Tinham casa própria, empregos estáveis e a filha planejada minuciosamente.
Minha mãe, na época, era gerente de um supermercado e trabalhava durante o dia. Meu pai, chef de cozinha de um restaurante, ficava em casa cuidando de mim. À tardinha, quando ela chegava, era a vez dele de ir para o emprego. Éramos superapegados os três, mas, principalmente, meu pai e eu.
Era um homem grande, com braços torneados, bem másculo. E eu, cumpria o estereótipo da filha mulher apaixonada pelo homem da casa. O clima de família era de comercial de margarina. A palavra crise não existia, eles nunca brigaram e jamais os vi discutindo.
Um belo dia, porém, minha mãe chegou do trabalho (eu tinha 2 anos, na época) e, do nada, encontrou meu pai com as malas prontas na sala. Lembro apenas de flashes, mas ela conta que, quando ele a viu, desabou a chorar.
Pedia perdão e dizia que não podia mais viver uma mentira, pois estava preso numa realidade com a qual não conseguia mais lidar, e não queria mais enganá-la. E abriu o jogo. Disse que era homossexual e que não podia mais viver mentindo. Depois, pegou as malas e partiu. De Pelotas, no Rio Grande do Sul, onde morávamos, para Caraíva, na Bahia, onde vivia a minha avó Duca, mãe dele.
Foi um baque enorme para a família toda. Muito agarrada a ele, chorava dia e noite perguntando por meu pai. Tempos depois, no entanto, minha mãe entendeu os motivos do abandono do meu pai e o perdoou. Confesso que demorei um pouco a mais, pois não sabia o real motivo de ele ter ido embora. Em 1994, três depois da separação, minha mãe se casou novamente. Eu tinha 4 anos, e meu padrasto me criou como filha.
Durante muitos anos, meu pai biológico e eu nos comunicamos via cartas e ligações aos domingos. Até que um dia, eu já tinha 11 anos e estava brincando com minha prima na casa de um tio avô, e ele falou sem rodeios: ‘Seu pai é uma bicha! Se nunca te contaram isso, agora eu conto! Ele abandonou vocês porque ele é ‘viado’’.
Aquilo me atravessou como uma flecha no peito. Só queria sair dali correndo, enfiar minha cara no primeiro buraco, de tanta vergonha. Até então, minha mãe não tinha aberto o jogo porque achava que eu não tinha maturidade para entender a situação. E não tinha mesmo.
Liguei para a minha mãe pedindo que ela me buscasse. Em casa, ela sentou comigo e me contou tudo. Com delicadeza, mas sem esconder nada. Muito franca e aberta, jamais o culpou e sempre falava muito bem dele.
No começo, não entendia muita coisa e fiquei revoltada. Sempre sensata, minha mãe foi me fazendo entender que aquela era uma escolha que dizia respeito somente a ele, e que nada em nossa relação deveria mudar. Raul continuaria sendo meu pai, e ponto.