Suspeito agiu de forma cruel ao matar grávida de 4 meses
Pedido de casamento, no aniversário de 10 meses de namoro, é seguido de feminicídio, afirma denúncia do Ministério Público do Estado. Detalhes da última noite de Beatriz Nuala Soares Milano, 27, grávida de 4 meses, revela perversidade do acusado do crime, o médico Fernando Veríssimo de Carvalho, 30.
Beatriz morreu por traumatismo crânioencefálico, causado por instrumento contundente, segundo o médico legista Márcio Landi. “… foram várias ações contundentes, suficientes para causar as hemorragias encontradas”, ressalta.
O médico afirmou que as lesões encontradas na vítima não decorrem de morte por causas naturais, aneurisma cerebral ou Acidente Vascular Cerebral (AVC), tampouco poderiam ter sido causadas por ela própria, visto que, tão logo iniciada a “autoinfringência de lesões a pessoa fica atordoada, tem rebaixamento de consciência”.
Do amor ao crime
Beatriz e Fernando se conheceram no final de 2017, em São Paulo, onde moravam. Lá chegaram a discutir e se agrediram mutuamente, segundo depoimentos de familiares da vítima. Alguns dias depois, Beatriz descobriu que estava grávida. Já com medo do companheiro, resolveu contar sobre a gestação em um lugar público.
Meses depois, em meados de setembro de 2018, Beatriz foi transferida pela empresa em que trabalhava. O casal estava rompido. Fernando não mostrava interesse pela gravidez e chegou a questionar se o filho era dele. Mas convenceu Beatriz que queria continuar namorando com ela e os dois se mudaram para Rondonópolis.
“Pessoa ciumenta, irritadiça e de temperamento explosivo e imprevisível, Fernando, nesta cidade, passa a incutir grave temor em Beatriz, adotando comportamentos totalmente contraditórios, já que num momento tratava-a como uma rainha e noutro destratava-a e a ofendia profundamente”, diz trecho da denúncia do MPE.
No dia 23 de setembro, quando completaram 10 meses de namoro, o último telefone para a mãe foi para contar que Fernando a tinha levado a um bom restaurante e lhe pedido em casamento.
“Pouco depois de pedir Beatriz em casamento, Fernando matou-a com perversidade e torpeza, desferindo, contra sua cabeça, golpes com objeto contundente, que lhe causaram traumatismo crânioencefálico”, relata a denúncia.
Após matar a namorada, o MPE afirma que Fernando “teve a frieza” de arrumar o corpo de Beatriz na cama do casal. Ele passou o resto da noite bebendo e assistindo televisão na sala. “Amanhecido o dia, Fernando, a maneira do seu natural jeito dissimulado de ser, deu notícia do falecimento da esposa ao serviço médico e as autoridades policiais, induzindo-os (e também depois a família de Beatriz) a concluírem que houvera uma mera morte natural”.
Consta nos autos que em depoimento extrajudicial, Fernando chegou a afirmar que o homicídio foi cometido por motivo fútil. Relatou que após o jantar, o casal voltou para casa e tentou comprar um carrinho de bebê pela internet, mas não conseguiu. Eles teriam iniciado mais uma discussão devido à organização financeira, quando Fernando agrediu Beatriz.
A denúncia enfatiza que Fernando é médico, conhecedor da anatomia, e além de ser alto e forte (tinha mais de 100 kg), atingiu Beatriz “em regiões altamente sensíveis da cabeça, onde sabia que ocorreria imediata perda (ou rebaixamento) da consciência, o que de fato houve, já que, ainda nos termos da investigação, a vítima Beatriz, mesmo sendo de compleição robusta e conhecedora de técnicas de luta, não teve como esboçar nenhuma reação ante a rapidez do ataque e a perda imediata da consciência”.
Os detalhes do crime constam em decisão do desembargador do Tribunal de Justiça de Mato Grosso, Marcos Machado, que negou recurso impetrado pela defesa de Fernando, mantendo a decisão do juiz de 1º grau para que o acusado enfrente o júri popular em Rondonópolis, onde ocorreu o crime.
No recurso, a defesa de Fernando sustenta inexistirem indícios suficientes de autoria para pronunciá-lo, sobretudo porque “o laudo do legista é contraditório, não há nenhuma evidência que houve agressão” dele contra a vítima.
1ª versão do acusado
Fernando acionou a Polícia e o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência no dia 24 de setembro, por volta das 7h, para atender uma ocorrência de óbito.
O acusado afirmou, no primeiro depoimento, que na noite anterior à morte da sua namorada, a levou para jantar no Restaurante Meditenâneo e a pediu em casamento. Diz que ela insistiu para retornarem para casa antes da meia noite porque queria realizar a compra de um carrinho de bebê, pela internet, na promoção de Black Friday.
Afirma que após frustrada a tentativa de compra, ele e Beatriz ofenderam-se verbalmente por “questões de dinheiro”. “…ela não aceitava que se falasse em voz alta, com algum ‘q’ de agressividade, nisso ela tentou me bater […] e eu me defendi com o ombro, nisso eu vi que ela tropeçou, não sei se ela bateu, não vi, ai eu falei: amor vamos parar por aqui, agora!”.
O acusado relatou que foi para a sala e viu que Beatriz se levantou e depois se deitou e disse que ia dormir. “Não falei mais com ela essa noite, dormi na sala [pela manhã, quando cheguei no quarto, queria falar com ela, pra gente ficar bem, quando a encontrei fria, eu sou médico, já vi outras pessoas mortas, vi que ela estava gelada, rígida, tentei fazer ressucitação, liguei pro Samu […], o Samu chegou e falou que tinha acontecido, já tinha acontecido o óbito há algumas horas […]”
Fernando enfatiza neste depoimento que se defendeu com o ombro, deu uma “ombrada” nela e viu que a vítima bateu na parede. “… eu a empurrei, não com a intenção de acertar a parede, mas vi que ela bateu na parede, ouvi barulho […], foi uma situação onde os dois perderam o controle […] ela caiu meio de lado, eu a empurrei […], não bati a cabeça dela contra a parede […], não me recordo, mas ela caiu e bateu feio, creio que não foi uma única batida […]”.
O acusado alegou não ter revelado todos os fatos no início, assim que acionou a Polícia, por medo. “… na semana anteior tivemos uma conversa acalorada em relação ao nenêm e ao relacionamento, sem nenhum grau de violência […]”.
Mas a defesa de Fernando afirma que essa versão, da ombrada, foi orientação da primeira defesa do acusado. Que de fato, nenhuma agressão aconteceu naquela noite. (Leia mais na matéria: Defesa tenta anular júri popular e afirma que Fernando é inocente).
Medo
Beatriz já tinha revelado ter medo de Fernando a amigos e familiares. Chegou a dizer que não queria mais viver com ele, justamente pelo medo que sentia.
A psicóloga que atendeu Beatriz duas vezes relatou que sua queixa principal era o problema de relacionamento com Fernando, que definiu como “um homem ciumento, irritado, explosivo e imprevisível, agressivo no tom de voz e com palavras, e isso lhe fomentava medo”. A vítima também se incomodava com a ingestão de bebidas alcóolicas em excesso por parte de Fernando, durante todos os dias. Afirmou que ele ficava alterado. Beatriz chegou a defini-lo como “uma bomba relógio prestes a explodir”.
Dias antes de sua morte, Beatriz enviou áudios a amigos, reclamando das atitudes do companheiro e afirmando ter medo dele: “fala que eu sou uma parasita, que tem nojo de mim”; “tentou me entrangular”; “ele fica transtornado quando bebe”; “ele não tá nem aí pro bebe”, diz alguns dos áudios transcritos no depacho do desembargador Marcos Machado e reproduzidos aqui sem qualquer alteração.