Cultura

Município de Porto Velho comemora 106 anos de instalação

Neste domingo (24), quando a instalação do município faz 106 anos, Porto Velho praticamente reverte sua antiga condição de dependente de outras grandes cidades do norte e do centro-oeste brasileiro. Na saúde, especialmente, o Hospital de Base Dr. Ary Tupinambá Pinheiro, tornou-se referência para o recebimento de pacientes dos estados do Acre, do sudoeste amazonense, do noroeste de Mato Grosso e até da Bolívia.

Empresários exportadores dispõem do maior porto público alfandegado do norte brasileiro, na margem direita do rio Madeira, onde se concentra atualmente o escoamento das safras anuais de grãos para a China e países europeus. A população de Rondônia brevemente conhecerá, pelos mapas da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), um movimento até então pouco visível: dezenas de grandes aeronaves de passageiros e cargueiras procedentes do sul do País cruzam os céus de Porto Velho rumo às Américas Central e do Norte.

A Capital ultrapassa 500 mil habitantes, candidatando-se uma vez mais a obter recursos para saneamento básico do Governo Federal. A cidade sede do município de 34 mil quilômetros quadrados carece de planejamento para crescer ordenadamente, embora algumas empresas imobiliárias já vendam lotes e casas com asfalto e distribuição de água à porta.
Reconhecendo a força dos distritos, o Governo do Estado investe em diversas obras nos distritos de Porto Velho. Em novembro do ano passado, por exemplo, inaugurou obras da Praça do Povo em União Bandeirantes, a 158 quilômetros de distância.

HISTÓRIA

Segundo a historiadora e acadêmica de letras Yêdda Borzacov, Porto Velho tem duas datas importantes para comemorações: 2 de outubro, quando o município foi criado, e 24 de janeiro, data de sua instalação. A data de outubro é mais lembrada.

O município foi instalado em 1915, quando Jônatas de Freitas Pedrosa, do Partido Republicano Democrático (PDR), era o 13º governador do Amazonas, e Venceslau Brás, do Partido Republicano Mineira (PRM), o 9º presidente da República. O município pertenceu ao Estado vizinho até 1943, quando o presidente Getúlio Vargas criou o Território Federal do Guaporé.

Pedrosa assinou a Lei n°757, criando o município em 2 de outubro de 1914. Nomeado pelo governador, o major reformado do Exército Brasileiro, Fernando Guapindaia de Souza Brejense, foi o primeiro a exercer o cargo de superintendente [prefeito], de 24 de janeiro de 1915 a 1º de janeiro de 1917. O segundo, médico Joaquim Tanajura, fora eleito e administrou entre 1º de janeiro de 1917 e 1º de janeiro de 1920.

A instalação de Porto Velho se deu em 1915, quando Venceslau Brás era o presidente do Brasil, embora a criação venha do período de Hermes da Fonseca, do Partido Republicano Conservador (PRC), anterior àquele. A área territorial de Porto Velho estendia-se do Rio Madeira até Santo Antônio, que foi por muito tempo um dos maiores municípios do mundo. O município pertencia ao Amazonas e teve parte pertencente a Mato Grosso, então governado por Joaquim Augusto da Costa Marques (PRC).

Porto Velho se desmembraria de Humaitá [sudoeste amazônico], cujo prefeito era o médico Pedro de Alcântara Bacelar.

“O major Guapindaia, como superintendente, exerceria a função de prefeito e os cinco conselheiros, empossados no mesmo ato, o equivalente a vereadores”, conta Yêdda Borzacov.

Ela explica que Guapindaia constituiu o primeiro Conselho Municipal com os intendentes José Jorge Braga Vieira, José Z. de Camargo, Luzitano Corrêia Barreto, Manoel Félix de Campos e Antônio Sampaio. Suplentes: Aderico Castilho, Achiles Reis, Horácio Bilhar, Alfredo Clínico de Carvalho e José Pontes.

DESCONFORTO

Para a historiadora, houve descontentamento e lembra, que Pedro Bacelar não aceitaria espontaneamente a emancipação de Porto Velho, dada a histórica construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, então, a mais isolada do mundo. Obra que cortava a floresta amazônica. “Humaitá lucraria e muito, caso continuasse a ser a sede municipal”, ela analisa.

Em 1916, porém, a historiadora conta, que Pedro Bacelar foi nomeado pelo presidente Venceslau Brás para o cargo de governador do Amazonas, e em 1º de janeiro de 1917 foi empossado, ficando no cargo até 1921.

Guapindaia por sua vez assumiu o cargo de superintendente de Porto Velho em 24 de janeiro de 1915, às 9h da manhã. A posse dele e dos intendentes aconteceu na casa de Manoel Félix, na rua dos Portugueses, antigo nome da rua Barão do Rio Branco.

Caribenhos, europeus e norte-americanos chegaram à futura Capital do Território Federal do Guaporé, algo ocorrido quase três décadas depois.

Caribenhos, europeus e americanos eram em maior número, chegaram e se instalaram durante a construção da ferrovia, que ligou Porto Velho a Guajará-Mirim, a 362 quilômetros, na fronteira do Brasil com a Bolívia. “O povoado cresceu espontaneamente com tanta gente, mas não tem um criador ou fundador”, observa a historiadora.

Guapindaia construiu o Cemitério dos Inocentes, a Escola Mista Municipal Jônatas Pedrosa, a cadeia pública e iniciou o arruamento da cidade, cujo traçado é americano. No entanto, ele solicitou a primeira planta ao mestre José Ribeiro de Souza.

CONFRONTO COM AMERICANOS

O mapa guardado no Museu da Memória revela que o traçado da cidade veio concebido desde os Estados Unidos. O espaço descrito no mapa ia da barranca do rio Madeira até a rua Joaquim Nabuco. Somente nos anos 1960, a cidade expandiu-se, fazendo surgir bairros grandes nas zonas sul e leste. O povoado de Porto Velho formou-se espontaneamente, a partir de 1907, conforme escreveu o historiador Abnael Machado, falecido aos 86 anos em 2019.

“Instalou-se além do pátio ferroviário da Madeira-Mamoré Railway Co., Companhia norte americana, sob o protesto dos seus administradores por considerarem os moradores intrusos, marginais, invasores do espaço de propriedade da empresa”, ele conta.

O enfrentamento entre as partes atravessou as primeiras administrações municipais, persistindo até 1931, ano em que o Governo Federal assumiu a Estrada de Ferro. Guapindaia foi às turras com administradores da Madeira-Mamoré, onde havia casos de corrupção, conforme recorda o historiador. “Havia agentes comprados por propinas repassadas pela empresa e muita conivência com os seus desmandos, e com isso deixavam de reconhecer o poder legal das autoridades estaduais e municipais, ingerindo-se em matérias de direito privativas do município, coibidas por Guapindaia”.

DESPEJADO

Em represália, Guapindaia foi despejado da sede municipal e das casas cedidas pela Madeira-Mamoré. Não apenas isso, ele ficou sem o passe livre nos trens. “Prestaram [funcionários da EFMM] apoio aos portugueses amotinados contra o superintendente, inclusive lhes repassando rifles”.

Conforme Abnael Machado, o superintendente não desistiu de fazer prevalecer a lei e as prerrogativas legais da municipalidade. “Providenciou a organização institucional e estrutural do município e do povoado urbanizando-o em conformidade com a planta elaborada pelo mestre José Ribeiro e aprovada pelo Conselho Municipal”.

Já em 1916, Porto Velho recebia os cônsules da República da Bolívia, J. Gutierrez, e da República de Portugal, Antônio Rodrigues da Silva. A cidade foi aos poucos ganhando fisionomia própria, desatrelando do pátio ferroviário. Nas anotações de Abnael Machado, foram fundadas: a Sociedade Beneficente Portuguesa, a Irmandade de Santa Bárbara e o Clube de Futebol União Esportiva. A política própria também despontava, com a instalação do Diretório Municipal do PRC, presidido por José Vieira Braga e era também criada a Associação Dramática de Porto Velho.

AINDA AMAZONENSE, CIDADE SE FORTALECE

Guapindaia promoveu a própria sucessão em 1° de dezembro de 1917 por meio da primeira eleição municipal para os cargos de superintendente, intendentes [vereadores] e suplente de intendentes. Foi eleito pelo PRC o médico Joaquim Augusto Tanajura. Intendentes: Luzitano Corrêa Barreto, José Z. Camargo, Álvaro Dantas Paraguassu, Antônio Sampaio e Otávio dos Reis; suplentes: Álvaro de Oliveira Rosas, Bernardino de Almeida Lima, Júlio Coelho Carvalho e Faustino Lopes de Souza. Todos empossados em 1° de janeiro de 1917 por Guapindaia, com mandatos até 31 de dezembro de 1919.

Em 15 de abril de 1917, ano da Revolução Russa e da greve operária em São Paulo, Tanajura fundou o jornal Alto Madeira, associado com Cincinato Elias Ferreira e Francisco Cezar Queiroz. Em 31 de agosto, houve o ato de Elevação do Termo Judiciário à categoria de Comarca, pela Lei nº 900, sancionada pelo governador do Amazonas, Pedro Bacelar, o mesmo que administrava Humaitá quando ocorria o desmembramento de Porto Velho.

No dia 3 de maio, o bispo prelado do Amazonas, Irineu Joffely, veio à cidade para lançar solenemente a pedra fundamental da construção da Catedral do Sagrado Coração de Jesus. A Diocese do Amazonas recebeu por doação o terreno urbano onde ela foi construída.

Nesse mesmo ano, a Madeira-Mamoré inaugurava o Hotel Brasil, de sua propriedade. Na sequência, em 1918, os maçons refundaram a Loja Maçônica União e Perseverança. Em 24 de janeiro ela fora transferida de Abunã, por Manoel Martins da Silva. A instalação aconteceu em 18 de janeiro de 1919, com a eleição do Venerável José Jorge Braga Vieira. Em 20 de janeiro instalava-se o 1° Cartório de Registro Civíl, cujo tabelião foi José Vieira Souto. Fundava-se também a Associação Esportiva e Recreativa Ypiranga Clube.

Porto Velho permaneceu município amazonense até 1943, quando foi criado o então Território Federal do Guaporé, redimensionando partes de áreas na Amazônia, pertencentes aos estados de Mato Grosso e Amazonas. No ano seguinte, houve um reordenamento territorial.

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