Diego Paiva dos Santos, de 20 anos, morreu em agosto após um infarto pulmonar. Após uma infecção, ele deu entrada no hospital com quadro de choque séptico. Em quatro dias, fígado, rins e coração melhoraram, mas não o pulmão.
Lia Paiva, mãe do jovem, compartilhou o raio-X do pulmão do filho e contou que ele fumava vape desde os 15 anos. Na imagem, é possível ver um pulmão esbranquiçado, bastante inflamado (na imagem acima, veja a comparação com um pulmão saudável).
Segundo Fred Fernandes, médico da diretoria da Sociedade Paulista de Pneumologia, a imagem mostra que o jovem pode ter tido evali, uma lesão pulmonar associada ao uso de produtos de cigarro eletrônico.
O cigarro eletrônico aquece líquidos que contêm diversas substâncias, como nicotina, propilenoglicol, glicerina vegetal e aromatizantes. Esses líquidos podem liberar compostos tóxicos que, quando atingem os pulmões, podem irritar os alvéolos, iniciando uma reação inflamatória.
“O pulmão precisa ser todo preto no raio-X, porque é todo cheio de ar. Com a evali, a pessoa vai ter uma consolidação em vários campos pulmonares, que é um monte de material inflamatório que exsuda (vaza) dos capilares pulmonares para dentro dos alvéolos. Os alvéolos precisam só ter ar. Esse preenchimento de alvéolos por esse material inflamatório impede a adequada troca gasosa”, explica o pneumologista.
Essa lesão grave pode progredir para um dano permanente no pulmão, levando o órgão a se deparar com um processo de fibrose. Com esse quadro, o paciente às vezes pode precisar de transplante pulmonar.
A evali foi descrita na literatura médica pela primeira vez em 2019, nos Estados Unidos, quando pacientes jovens começaram a ser internados com falta de ar, tosse, dor no peito, náusea, vômito, diarreia, fadiga, febre e perda de peso.
O Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA (CDC) abriu uma investigação de emergência e descobriu que os pacientes tinham em comum o uso de cigarros eletrônicos. Foi, então, que a doença foi classificada.
O pneumologista explica que os casos de evali eram mais comuns quando os cigarros eletrônicos continham o acetato de vitamina E.
“As preparações não utilizam mais o acetato de vitamina E, o que diminui os casos da doença. No entanto, outras substâncias estão sendo utilizadas e o dano pulmonar a médio e longo prazo continua presente”, alerta.
Apesar de não ter sido a causa direta da morte, Lia Paiva acredita que o cigarro eletrônico contribuiu para esse desfecho. “Não foi o vape que causou a morte do meu filho, mas o pulmão dele ficou comprometido pelo uso do vape e não conseguiu reagir a uma bactéria”.
Vape x cigarro convencional
Um estudo realizado pela Vigilância Sanitária da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo em parceria com o Instituto do Coração (Incor) e o Laboratório de Toxicologia da Faculdade de Medicina da USP pontou que o vape provoca até seis vezes mais intoxicação por nicotina do que cigarro convencional.
“O estudo indica que a intoxicação por nicotina em quem usa o cigarro eletrônico é tão alta quanto, ou até pior, que nos usuários de cigarro tradicional. Também foi notado uma falta de conhecimento entre os mais jovens sobre os riscos de dependência”, apontou Jaqueline Scholz, diretora do Núcleo de Tabagismo do Incor e coordenadora da pesquisa.
A nicotina é uma substância altamente viciante e, segundo a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), não há quantidade segura para o consumo. É por causa dela que as pessoas ficam viciadas no cigarro.
O cigarro comum tem 1 mg de nicotina por unidade. A carga do cigarro eletrônico tem cerca de 50 mg – isso porque há marcas no mercado com volume até maior. Ou seja, se a pessoa fuma uma carga por dia, ela está fumando o que corresponde a 50 cigarros.
“Por muito tempo se vendeu a ideia de que o cigarro eletrônico teria menos toxicidade que o cigarro convencional. Só que temos visto que a pessoa que fuma o cigarro normal, mesmo tóxico e viciante, leva mais tempo para desenvolver sintoma respiratório, como falta de ar, tosse e catarro, do que o jovem que usa vape”, pontua Fred Fernandes.
O jovem que consome o cigarro convencional, por exemplo, começa a ter os sintomas respiratórios depois dos 30, 40 anos. Com o vape, os sintomas surgem bem antes.
“Eu considero os dispositivos eletrônicos para fumar uma invenção diabólica da indústria do tabaco. Tenho atendido jovens de 16 a 22 anos com uma adicção muito grande, dificuldade de largar o vício. É uma dependência muito rápida”, diz Margareth Dalcolmo, pneumologista e presidente da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT).
Fred Fernandes alerta para outro risco bastante comum: o uso combinado dos dois. “Muitas pessoas que usam o eletrônico para parar de fumar, acabam usando os dois: fumam o normal e o eletrônico. Isso aumenta ainda mais o risco cardiorrespiratório. Na tentativa de fazer parar, você deu outra coisa que vicia. A combinação faz muito mais mal do que os dois isolados”.
Fonte: g1