Polícia

Menina relata estupro de ‘avô’, exame confirma e suspeito segue solto

Mais um chocante caso de estupro de vulnerável ocorreu em Minas Gerais, desta vez em Vespasiano, região metropolitana de Belo Horizonte. A criança, de apenas três anos, relatou para os familiares que o marido da avó paterna, 56, supostamente a abusou sexualmente enquanto brincavam na casa do casal. A família da vítima relata ter denunciado o caso no dia 29 de março. Além disso, a criança fez o exame corporal, o qual o BHAZ teve acesso, e que confirma que a menina sofreu lesões nas partes íntimas. Entretanto, eles reclamam da demora no andamento do caso, uma vez que a criança ainda não passou pela escuta especializada.

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O relato da criança veio à tona durante uma tarde na casa da avó materna, no dia 28 de março.
A escrivã da delegacia informou para a minha filha que tem processos que estão lá há meses e até hoje não foram ouvidos. Antes da escuta não tem como fazer nada, porque o investigador disse, nesses casos, que o que importa é o relato da vítima”, contou Roberto Mariano.

Família aguarda andamento das investigações
De acordo com a primeira nota da Polícia Civil sobre o caso, a investigação está sendo conduzida na Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (DEAM), em Vespasiano, e as apurações estão avançadas. A instituição informou que aguarda o consentimento da Justiça para realizar a escuta especializada da vítima, além de laudos médicos complementares. Conforme dito pela corporação, outras informações serão dadas no momento oportuno.

Desde a data da denúncia, já se passaram 25 dias que a família da criança segue sem a resolução do caso. Segundo Roberto Mariano, o suspeito teve depoimento colhido na delegacia no dia 15 de abril. O BHAZ conversou com a advogada criminal Paola Alcântara a respeito dos trâmites da Polícia Civil na resolução dos casos. De acordo com a especialista, o processo consiste em várias etapas para dar início à investigação, mas que a vítima pode utilizar de medidas protetivas contra o suspeito enquanto o inquérito não termina.

Roberto disse que a família entrou em contato duas vezes com a Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher para pedir uma medida protetiva da criança contra o avô postiço e contra a avó paterna. “A gente viu que a família do meu genro não estava levando a situação a sério, e aí ficamos com medo deles se aproximarem das meninas, porque a avó delas entra muito em contato com elas por telefone. E aí minha filha perguntou se não tinha uma medida que poderia ser tomada, e a escrivã da delegacia falou que ‘não, porque ele não estava ameaçando e nem em contato’ com minha neta”, relatou Roberto Mariano.

Irmã mais velha ficou com medo de contar
A vítima possui uma irmã de 8 anos que, segundo o avô materno de ambas, relatou que nunca presenciou a situação entre a mais nova e o suspeito, mas que a irmãzinha sempre relatava a mesma situação. “Minha filha e minha esposa conversaram com ela, e ela disse que nunca aconteceu nada com ela, mas que a irmã já tinha contado umas 10 vezes essa história”. Roberto Marino disse que a mais velha foi questionada do por que não revelar a violência para um adulto, “e ela disse que ficou com medo de a gente falar que era mentira”.

Paola Alcântara explicou que mesmo que não existam ameaças, é direito da vítima obter a medida protetiva e, no caso, dos pais da criança. “O caso de violência doméstica é um caso que se aplica a medidas protetiva, não necessariamente quando essa pessoa está sendo ameaçada. Isso também se aplica à criança, porque esse é um caso de violência doméstica. Os familiares têm que justificar o por que de pedir a medida e, nesse caso, existe a exposição da criança”.

O BHAZ entrou em contato com a Polícia Civil novamente para saber o motivo do pedido de medida protetiva ter sido negado para a mãe da criança, ao que a instituição respondeu que em nenhum momento recusou o requerimento. “Em momento algum, a autoridade policial recusou a formulação de pedido de medida protetiva de urgência e esclarece que tal pedido não foi requerido pelo representante legal da vítima. Caso assim o deseje, a PCMG orienta que um representante legal da criança compareça à delegacia de polícia para formalização do pedido, que será prontamente atendido”, informou a corporação.

Delegado pode pedir medida cautelar
Ainda que a família não pedisse por uma medida protetiva, a advogada Paola Alcântara ressalta que o delegado ou delegada responsável pelo caso pode reconhecer a gravidade e pedir à Justiça algum meio que afaste o suspeito da vítima. “Se o delegado entender que esse avô postiço oferece algum tipo de perigo, que essa criança está exposta, ou se ele está ameaçando testemunha, ou tem risco de fugir, o delegado pode pedir a aplicação de alguma medida cautelar. Essas medidas podem ser o condicionamento eletrônico, prisão domiciliar, prisão preventiva, prisão temporária, algo nesse sentido”.

Questionada se o delegado ou a delegada responsável pelo caso pediu uma medida cautelar para a criança enquanto as investigações acontecem, a Polícia Civil informou que a família poder comparecer até a delegacia. “Sobre a medida cautelar, a PCMG ratifica a resposta anterior sobre o representante legal da criança acionar a autoridade policial competente”. Sendo assim, a instituição coloca sob responsabilidade da família que procure a delegacia para requerer algum meio que possa afastar o suspeito da vítima. Ainda segundo a corporação, “o inquérito é presidido pela delegada Nicole Perim Martins”.

O que diz a Polícia Civil sobre a lentidão da investigação
Quanto à lentidão do processo, a Polícia Civil justificou que o motivo é por estarem aguardando o retorno do Poder Judiciário para realizar a oitiva da criança. Segundo a corporação, “o andamento das investigações depende, neste momento, do retorno dos autos da Justiça, com o deferimento ou não do pedido da escuta especializada”. A corporação também acrescentou que “a escuta especializada é realizada apenas na Justiça, e não na delegacia”.

“Existe uma demora do sistema de justiça? Existe. A gente está na pandemia, está muito mais sério, mas efetivamente uma vítima não está sendo atendida, então isso tudo tem que ser ponderado”, disse a advogada especialista em direito criminal. Quando perguntada sobre o que poderia ser feito para mudar essas leis e procedimentos que, devido à sua lentidão, acabam colocando a vítima em risco e deixa muitas famílias aflitas e sem resposta, Paola Alcântara apontou as falhas da estrutura estatal das instituições responsáveis.

‘O aparelho estatal tem que ser melhorado’
A advogada criminal Paola Alcântara explicou que a instituição policial costuma dar muitas justificativas para a demora nos processos, que vão desde a falta de profissionais para realizar tarefas como ir ao fórum, até falta de material no dia a dia. Para reverter o cenário, Paola disse que “o aparelho estatal tem que ser melhorado, o atendimento na delegacia tem que ser melhor”. Ela acrescentou: “É necessário que tenha pessoas que sejam qualificadas efetivamente, é necessário, por exemplo, se não é uma delegacia especializada, que tenha à disposição um psicólogo para fazer a escuta da criança”.

“Muitas vezes, o que precisa é um aperfeiçoamento da delegacia, um treinamento para as pessoas e uma melhora no fluxo, na questão de agilidade e também de boa vontade”, afirmou Paola Alcântara. A especialista explicou que, em Minas Gerais, a gama de profissionais da Polícia Civil está baixa. “Está mais gente saindo do que entrando”, apontou. “Tem delegacia que não tem papel, então como é que você imprime um laudo que veio do hospital? Às vezes não são nem as pessoas que estão ali, mas a estrutura da Polícia Civil em si que tem problemas”, disse Paola.

‘Ela é feliz, brinca muito’
Quanto ao estado mental da criança, Roberto Mariano disse que ela está muito bem, e que não faz ideia do quão grave é a situação, justamente por conta da idade. “Ela passou por um psiquiatra lá no Odilon que disse que ela não precisaria de remédios e que ela está muito bem. Ela só vai precisar fazer um acompanhamento psicológico daqui uns dois anos, que é quando ela vai começar a ter a noção do que aconteceu, porque no momento ela acha que foi uma brincadeira que ela não gostou”.

“Ela não tem noção da gravidade, ela é muito feliz, brinca muito. A gente pergunta se ela quer voltar a morar na outra avó ou se ela está com saudade, e ela fala que não”, completou Roberto. O avô disse que os familiares costumam conversar sobre corpo com a menina, o que é visto por alguns especialistas como uma medida efetiva para a criança identificar comportamentos não aceitáveis de outros com ela. Entretanto, ele apontou que a forma como o assunto é abordado pode ter criado um bloqueio na menina para não ter contado antes.

“A psicóloga da minha filha disse que às vezes os adultos não sabem conversar, e ela e a mãe da minha neta estão sempre falando que ‘não pode deixar acontecer’, e às vezes isso pode ter bloqueado nela de ter contado antes”. Roberto Mariano acrescentou que isso também pode ter causado na menina um sentimento de culpa, como se ela tivesse deixado acontecer o ocorrido”.

Estupro de vulnerável
O crime de estupro de vulnerável está previsto no art. 217A do Código Penal e se trata do estupro praticado contra pessoas que não têm discernimento ou não conseguem oferecer resistência – como em casos de embriaguez, enfermidade ou ainda se a vítima estiver dormindo.

Além disso, qualquer prática de ato libidinoso ou sexo com menores de 14 anos de idade também se configura como estupro de vulnerável – ainda que dentro de um relacionamento ou que a vítima diga que houve consentimento. Segundo a legislação, essa caracterização ocorre por se considerar que, até os 14 anos, um indivíduo ainda não desenvolveu maturidade suficientemente adequada para consentir.

Apenas no primeiro semestre de 2020, Minas Gerais registrou 1.468 ocorrências desse tipo de crime – uma média de quase sete por dia -, conforme um balanço da Polícia Civil divulgado pelo BHAZ (veja aqui). A maioria deles foi justamente contra crianças – especialmente meninas – na faixa etária considerada incapaz de consentir e praticados por pessoas do convívio próximo das vítimas, muitas vezes pais e familiares.

A legislação brasileira prevê ainda que, caso um estupro acarrete em uma gravidez, o aborto é permitido – assim como em casos de risco à vida da gestante e anencefalia do feto, únicas três situações em que a interrupção da gravidez não é considerada um crime.

Primeira nota da Polícia Civil na íntegra
A Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG) informa que as investigações envolvendo o caso, a cargo da Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam) em Vespasiano, estão avançadas. A PCMG aguarda deferimento do Poder Judiciário quanto ao pedido de escuta especializada para a vítima, além de laudos médicos complementares. Outras informações serão prestadas em momento oportuno.

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