Biólogo se infecta com 50 parasitas durante um ano para ajudar em vacina
Quase um ano atrás, o especialista em crustáceos Jimmy Bernot, do Museu Nacional de História Natural, nos Estados Unidos, decidiu tirar o jaleco e se juntar à lista de cientistas que ao longo da história também estiveram do outro lado dos experimentos: durante 12 meses, o biólogo marinho se voluntariou para ser infectado por 50 ancilostomídeos.
Agindo em nome da ciência, Bernot participou de um estudo cujo objetivo é desenvolver uma vacina contra a infecção por essa família de parasitas. No mundo, os vermes acometem entre 576 milhões e 740 milhões de pessoas, segundo estimativa do Centro de Prevenção e Controle de Doenças dos EUA (CDC).
Apesar de facilmente tratável com anti-helmintos, a infecção por ancilostomídeos – também conhecida como “amarelão” – pode causar danos graves em crianças, mulheres grávidas e idosos, como anemia e insuficiência cardíaca.
Como a infecção acontece por meio da penetração de larvas desses parasitas na pele humana, os casos da doença são mais frequentes em países onde falta saneamento básico. No Brasil, por exemplo, quase metade da população não tem acesso a rede de esgoto, segundo dados divulgados em 2020 pelo Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS). Por aqui, verminoses acometem 35% dos municípios do país, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). “Onde o encanamento é escasso, o descarte inadequado de resíduos é uma fonte comum de infecções pesadas (centenas a 1 mil minhocas)”, alerta Bernot em publicação no Twitter, onde documentou sua jornada.
Bastidores
Após receber a vacina experimental ou o placebo do estudo – duplo-cego, o experimento não fornece essa informação nem ao receptor nem aos pesquisadores –, o biólogo marinho foi infectado pelos parasitas por meio de um pedaço de gaze, que ficou na superfície de seu pulso durante uma hora.
Ao longo dos meses seguintes, os efeitos sentidos pelo voluntário variaram entre coceira intensa no local (“pior do que a hera venenosa”, descreveu ele), erupções cutâneas alternadas (que desapareciam e em poucos dias retornavam ainda piores, como acontece na maioria dos casos da doença) e ausência de alergias sazonais – antes costumeiras para o biólogo, as crises alérgicas provavelmente desapareceram porque, explica ele, vermes secretam compostos para modular ligeiramente o nosso sistema imunológico, de forma a evitar que sejam atacados pelo mesmo.
Uma vez que o experimento aconteceu em meio à pandemia de Covid-19, um médico da equipe do estudo, conduzido pelo The GW Medical Faculty Associates, em Washington, fez visitas domiciliares regularmente ao apartamento do biólogo, a fim de checar seus sinais vitais e coletar amostras de sangue e fezes. O procedimento também visava garantir que o voluntário não estava apresentando nenhum efeito negativo grave.
A certa altura da pesquisa, cada uma das amostras fecais do pesquisador continha cerca de 7 mil ovos de ancilostomídeos, o que significa que os parasitas se reproduziram mais de 140 vezes desde que entraram em seu organismo. Antes de chegar ao intestino, o destino final desses seres vivos, os vermes passaram pelo sistema circulatório, pulmões e traqueia. É por isso que a tosse também é um sintoma comum entre as pessoas acometidas pela doença – no caso do biólogo, essa manifestação foi rara.
Ao final do estudo, Bernet foi medicado com três doses de Albendazol (fármaco prescrito para tratamento de verminoses) por três dias consecutivos, o que, depois de um mês, foi suficiente para eliminar a presença de ovos em suas fezes. Uma vez que os parasitas conseguiram se multiplicar em seu organismo e rapidamente morreram a partir do tratamento, o pesquisador antecipa, assim, dois cenários: ou recebeu o placebo ou a vacina experimental não foi 100% eficaz.
“Hoje em dia, temos tantos remédios, tratamentos e vacinas que tornam nossas vidas muito mais fáceis – é fácil ignorar todo o trabalho e sacrifício que envolve torná-los seguros e eficazes”, comemora, apesar dos resultados. “Eu tenho que testemunhar isso aqui e não vou tomar isso como garantido”, acrescenta.