Brasil

INUSITADO- Idosa convida população para o seu próprio velório

Durante esta quarta-feira (2), um carro de som circulou pelas ruas de Nova Era comunicando aos moradores do município o local e horário do sepultamento de um dos seus conterrâneos. No entanto, a prática, bastante comum na cidade, chamou a atenção da população local por um motivo muito inusitado.
Em certo ponto do áudio, a falecida Maria de Fátima Martins Dutra, popularmente conhecida como Maria de Telico, convidava os nova-erenses a comparecerem ao seu próprio sepultamento. No áudio, que você poderá ouvir logo abaixo, a idosa, de 67 anos, estendia o convite até aos inimigos, dizendo: “Eu, Maria de Fátima, Maria de Telico, convido para o meu sepultamento parentes, amigos e inimigos também. Agradeço, muito obrigada”.

-->

Ouça o áudio do convite:

A gravação despertou diferentes reações em Nova Era. Alguns gostaram da criatividade e acharam a ideia inovadora, outros consideraram desnecessário. De acordo com familiares da idosa, Maria de Fátima tratava um câncer há mais de 15 anos, e partiu dela o pedido para que o convite fosse feito quando ela fosse vencida pela doença.

 

Outro curioso desejo da ilustre nova-erense era de que fossem servidos vinho chileno e salgadinhos em seu velório, algo combinado com um genro, que faria o mesmo caso falecesse antes. Porém, as restrições impostas pela pandemia impediram a realização da ideia.

“Primeira vez”
No ramo há cerca de 20 anos, Aureliano Bispo é quem dá a voz ao curioso anúncio funerário. Ele, que também possui um programa de rádio local, diz que nunca havia lidado com algo do tipo.

“Eu já faço anuncio funerário há muitos anos e é a primeira vez que acontece isso. Alertei a família (da Maria de Fátima) que a minha preocupação era sair da curva, ou seja, ser totalmente diferente. E causou espanto, né. Houve pessoas que acharam super original, outras acharam desnecessário, mas na hora que a pessoa vem a falecer, a família acaba querendo prestar uma homenagem. Então eu quis ter bastante certeza de que toda a família estava ciente que o anúncio seria feito desta forma, e os filhos deixaram claro para mim que poderia fazer”, relata.

De acordo com Aureliano, a ideia inicial dos familiares era de que o anúncio fosse feito inteiramente com a voz de Maria de Fátima, mas ele conseguiu reverter a decisão. O comunicador também diz que chegou a temer que o perfil brincalhão da idosa descredibilizasse a mensagem.

“Minha preocupação, no primeiro momento, era de que as pessoas ouvissem a voz dela no meio da rua e não acreditassem, ou não entendessem. Poderiam achar que era uma brincadeira, coisa assim, porque ela sempre foi muito brincalhona.”

Mas apesar da estranheza que envolve o caso, o radialista ressalta o respeito que os moradores de Nova Era nutrem pela figura de Maria de Telico. “Rodamos o anúncio nas comunidades rurais porque ela era comerciante, tinha uma mercearia com o marido, a ‘Mercearia do Telico’. Então ela vendia para essa turma dos bairros mais distantes e todo mundo a conhecia e respeitava”, conclui.

Avó e amiga
Para além de figura central do caso incomum, Maria de Fátima era uma mulher muito admirada pela população local. Depoimentos de parentes, amigos e do próprio Aureliano dão conta disso.
Responsável por auxiliar na gravação da mensagem, a neta Giovana Pacheco, de 16 anos, possuía uma relação especial com a avó. A diferença de idade entre as duas não era um empecilho para a jovem enxergar Maria de Fátima como uma verdadeira amiga.

“Éramos muito próximas, eu ajudava a cuidar dela. Além da relação de neta e avó, a gente tinha uma relação de amiga, porque minha avó tinha uma mente muito aberta para a idade, uma pessoa muito autêntica e espontânea. Conversávamos muito, pois os problemas eram os mesmos e ela me entendia demais”, explica.

De vestido prata, a neta Giovana Pacheco. Ao lado dela, a irmã, Gabriela, a avó e o avô, Otelico, que tocava a mercearia ao lado da esposa. Foto: Arquivo pessoal

Segundo Giovana, o inusitado convite ao sepultamento era símbolo da forma com que a avó lidava com a ideia da morte. “Ela levava a morte como uma brincadeira, algo que estava tão perto, mas tão distante. Então para ela a mensagem era uma brincadeira mesmo, mas algo que ela sempre quis que acontecesse.”

Amiga de vários anos, Vera Pereira também é outra a destacar o perfil único de Maria de Fátima. Ela diz que a química entre as duas surgiu rápido, desde o primeiro contato, e relembra o perfil guerreiro da idosa.

“Eu sou amiga de muito tempo. Desde a primeira vez que nos encontramos, foi aquela empatia, parecia que a gente já se conhecia de outras vidas. Foi uma amizade muito profunda, Maria era uma pessoa muito espiritualizada, alegre, de bem com a vida. Lutou muito, não se entregou hora nenhuma, foram mais de 15 anos de luta contra o câncer. Então era uma pessoa do bem, eu estava sempre junto dela”, afirma.

Com filho e marido tratando o câncer, Vera recebia muito apoio da amiga, que também travou, bravamente, esta sofrida luta contra a doença. “Meu filho e marido também estão com câncer, e ela sempre me dava incentivo, falando que era pra eu rezar muito porque ela também estava rezando. Eu falava ‘não, Maria, pode ficar tranquila’. Ela ajudava muito todo mundo, uma pessoa do bem.”

Uma mãezona

Um dos quatro filhos (três homens, uma mulher) de Maria de Fátima, Alisson Dutra também só tem elogios para a mãe, a quem se refere como uma “pessoa espetacular”.

“Ela era uma mãezona, amiga, companheira, tudo. Uma pessoa de coração aberto, mente aberta, prestativa, caridosa. Quem ficava ao redor dela só tinha felicidade. Até na hora da doença, da dor, ela levava no bom humor. Minha mãe estava doente, mas se preocupava com outras pessoas que também estavam em situação parecida. Era uma pessoa espetacular”, comenta.

Maria de Fátima foi sepultada ontem, às 16 horas, no Cemitério de Nova Era. Ela lutou durante mais de 15 anos contra um câncer, que começou na mama e se espalhou pelo cérebro, pulmão e outras partes do corpo. Segundo Giovana, a neta, sua avó possuía um lema, que dizia: “perde quem não gosta de mim!”. E por toda essa história, fica difícil discordar

Vera deixou o marido e quatro filhos. Foto: Arquivo pessoal

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Botão Voltar ao topo