Coluna – Por Professor Edson Silva destaca as queimadas rurais, urbanas e a saúde humana, em tempos de Covid19
Os estudos dos efeitos das queimadas para a saúde humana são muito escassos, tanto no Brasil quanto no exterior, em que pese quase toda a literatura que trata das emissões atmosféricas produzidas por queima de biomassa mencionar que elas causam efeitos deletérios à saúde. Tal fato se deve em grande parte à variedade de aspectos envolvidos e à dificuldade em se separar causas isoladas de um determinado efeito. Pesquisas em saúde ambiental são bastante complexas na medida em que a saúde humana depende de uma teia de fatores interligados: exógenos (bióticos e abióticos), endógenos (fisiológicos e anatômicos), comportamentais (psicológicos, sociais e culturais) e da densidade demográfica (Audy, 1971).
Segundo Sapkota et al (2005), além de afetar comunidades próximas, a poluição originada em incêndios florestais pode viajar milhares de quilômetros a áreas urbanas bastante povoadas. Efeitos de incêndios no Canadá resultaram em episódio de concentração elevada (até 30 vezes maior) de material particulado, sobretudo mais fino, na cidade de Baltimore, nos Estados Unidos. Em 2003, fumaça de incêndio florestal na Sibéria foi rastreada por observações em avião e no solo, que indicaram seu transporte para a América do Norte.
https://correiodaamazonia.com/falta-de-vento-e-baixa-temperatura-deixa-manaus-encoberta-de-fumaca/
A queima de cerrado ou de floresta amazônica apresenta disparidades em termos de emissões. Isso pode se dar em virtude da diversidade das espécies vegetais na floresta, constituída de árvores grossas, folhas e galhos finos que demandam tempo de secagem e de queima diferentes, com diferentes eficiências (Yamasoe et al., 2000). A queima de cana-de-açúcar antes da colheita, de pastagens, ou de terrenos com restos de culturas antes de um novo plantio, também apresenta emissões diferentes e, infelizmente, elas não vêm sendo estudadas de forma sistemática no Brasil, ou mesmo em outros países, onde essas práticas agrícolas são bastante comuns, sobretudo para o combate às pragas.
Como a saúde se manifesta face as queimadas
Para Audy (1971) “saúde é a propriedade contínua, potencialmente mensurável, da habilidade de um indivíduo reagir a insultos químicos, ou físicos, ou infecciosos, ou psicológicos, ou sociais”.
Dentre os sintomas de doenças e doenças observadas as raras pesquisas sobre o efeito das queimadas na saúde relatam infecções do sistema respiratório superior, asma, conjuntivite, bronquite, irritação dos olhos e garganta, tosse, falta de ar, nariz entupido, vermelhidão e alergia na pele, e desordens cardiovasculares (Radojevic, 1998).
Mais de 90% da massa de partículas encontradas na fumaça produzida pela queima de produtos vegetais, como é o caso das queimadas nos canaviais e das queimadas urbanas, consiste em partículas finas, justamente a fração de material particulado (MP) que maior prejuízo traz à saúde.
Como as queimadas atuam junto aos pulmões
Dependendo da origem, da composição química e do tamanho da partícula, o efeito do material particulado é diferente. As partículas maiores (5 a 30µm de diâmetro) depositam-se, pelo impacto da turbulência do ar, no nariz, na boca, na faringe e na traqueia. Partículas de 1 a 5µm, geralmente depositam-se por sedimentação na traqueia, nos brônquios e nos bronquíolos. Partículas com menos de 1µm de diâmetro, em geral depositam-se por difusão nos pequenos bronquíolos e alvéolos (WHO, 1979).
http://pibid-bio-uepg.blogspot.com/2013/01/entenda-como-nosso-corpo-reage-inalacao.html
Em estudo sobre efeitos da fumaça de queimadas, dra. Ensp Beatriz Fátima Alves de Oliveira, avaliou pacientes de 5 a 17 anos, residentes na Amazônia Ocidental Brasileira, cidade de Porto Velho, tendo como resultados: “a poluição do ar está associada com diversos mecanismos, tais como inflamação das vias aéreas, inflamação sistêmica e neuroinflamação, disfunção endotelial, coagulação, aterosclerose, alteração do sistema nervoso autônomo, danos de DNA e desbalanço redox”.
Como Covid19 afeta a atividade pulmonar
A ação do novo coronavírus ainda é considerada muito recente, por isso boa parte de seus mecanismos e danos futuros não foram completamente desvendados. Algumas pesquisas realizadas ao redor do mundo, no entanto, apontam que os pulmões são os órgãos mais afetados e podem acabar com lesões permanentes. Autópsias realizadas em indivíduos que faleceram pela doença mostraram que o vírus ataca também as vias aéreas centrais, podendo atingir os alvéolos.
https://super.abril.com.br/saude/o-que-faz-a-pneumonia-da-covid-19-diferente-da-convencional/
Indivíduos com asma, bronquite, doença pulmonar obstrutiva crônica, entre outros, já apresentam alterações respiratórias que se agravam ainda mais com a Covid-19. “Eles apresentam pulmões previamente inflamados, o que pode potencializar o processo inflamatório da infecção.
Saulo Maia, pneumologista, explicou porque o pulmão é o principal órgão afetado pelo coronavírus. “O vírus é inalatório, quando a gente inala ele vai para o pulmão, que é o primeiro lugar onde o vírus causa uma inflamação maior e de lá se espalha pelo resto do organismo, ataca os brônquios e causam os problemas respiratórios por causa dessa forma inalatória”.
A infecção pelo SARS-CoV2 afeta principalmente o sistema respiratório dos pacientes. Uma vez contaminado, o paciente com Covid19 pode sofrer da chamada Síndrome Respiratória Aguda Grave, que, por sua vez, pode comprometer não só o sistema respiratório, mas também outros órgãos do organismo, caso não seja tratada em tempo hábil, segundo Cristino Carneiro Oliveira (UFJF-GV). Essa síndrome leva a uma incapacidade aguda do sistema respiratório em manter a ventilação ou oxigenação adequadas dos pulmões com consequências para o sangue e demais tecidos. O agravamento ocorre com a evolução do quadro infeccioso inicial e edema nos pulmões com consequente dificuldade de ventilá-los e tratá-los de maneira usual, sendo necessário que o paciente seja internado em uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI). A internação em UTI se faz necessária para fornecimento de ventilação artificial realizada por aparelhos disponíveis somente nestes ambientes dentro dos hospitais.
Importante frisar não são todos os pacientes acometidos pelo novo coronavírus que precisam do suporte ventilatório, mas existe a preocupação da escassez do número de aparelhos respiratórios utilizados no tratamento de casos mais graves, como ocorreu em alguns países fortemente atingidos pela pandemia, e alguns Estados brasileiros onde o Sistema de Saúde chegou a colapsar.
Tanto quanto a fumaça das queimadas, os vírus são inalatórios, e quando aspirados transitam via sistema respiratório alcançando os pulmões, causando uma inflamação inicial importante nesse órgão.
São atingidos de forma direta nas Queimadas | São afetados de forma direta pelo Covid19 |
Sistema respiratório superior, provocando asma, conjuntivite, bronquite, irritação dos olhos e garganta, tosse, falta de ar, nariz entupido, vermelhidão e alergia na pele, e desordens cardiovasculares; inflamação das vias aéreas, inflamação sistêmica e neuroinflamação, disfunção endotelial, coagulação, aterosclerose, alteração do sistema nervoso autônomo, danos de DNA e desbalanço redox.
A boca, nariz, faringe, traqueia, brônquios, bronquíolos, alvéolos. |
Sistema respiratório, provoca Síndrome Respiratória Aguda Grave – incapacidade aguda do sistema respiratório em manter a ventilação ou oxigenação adequadas dos pulmões; o agravamento evolui para quadro infeccioso inicial e edema nos pulmões. Vírus ataca também as vias aéreas centrais (faringe, traqueia, brônquios, bronquíolos), podendo atingir os alvéolos. |
A somatória do efeito desses dois eventos, fumaça das Queimadas e Covid19, em um mesmo organismo, como visto no quadro acima, se constitui em um processo extremamente danoso ao ser humano afetado pelas doenças enumeradas.
Não abordado aqui, mas a ser considerado, o retorno à normalidade nos grandes centros e áreas industriais, quando a poluição do ar voltar a se acentuar nesse período invernoso seco, quando as unidades de saúde, historicamente, marcam uma acentuada presença de pacientes com doenças pulmonares, fator que merece ser estudado previamente.
Queimadas, Fiscalização Ambiental / Covid19, Sistema de Saúde
Na Amazônia Legal em 2019, 10% das internações foram devidas a doenças respiratórias (DATASUS, 2020). As principais causas desses impactos são as queimadas e incêndios florestais. O aumento dessas internações se dá em dois momentos, maio, que marca o início do inverno amazônico (diminuição das chuvas), e outubro, período de aumento da concentração da poluição atmosférica devido as queimadas e incêndios florestais do tempo seco.
O Covid19, tal qual a poluição do ar, agride a saúde respiratória, e deve atingir o clímax no período crítico da estação anual das queimadas (setembro/outubro). Esse duplo pico, queimadas e infecções virais, poderá contribuir para ampliar a crise do sistema de saúde, levando-o a colapsar.
Especial atenção deve ser dado ao setor rural (queimadas sazonais no campo), e as queimadas urbanas nas cidades, razão pela qual os Municípios e Estado deverão planejar antecipadamente suas ações, fortalecendo seu sistema de fiscalização ambiental, com a educação ambiental em primeiro plano, e criação do conceito, orientação e treinamento do bombeiro civil comunitário voluntário, mormente para atender na zona rural.
https://ufrj.br/noticia/2020/03/31/coronavirus-como-covid-19-afeta-os-pulmoes
https://www.saude.se.gov.br/?p=41735
https://www.icict.fiocruz.br/content/entre-o-pulm%C3%A3o-verde-e-fuma%C3%A7a-das-queimadas
https://www2.ufjf.br/noticias/2020/03/26/efeitos-da-covid-19-no-sistema-respiratorio/
Professor Edson Silva Mestre em Ciências da Saúde, UNB; Auditor ISO 14.000; Auditor CONAMA 306; Pesquisador em Saúde Pública.
Acesse: https://edsonsilvaamazoniaofoco.blogspot.com/2020/08/queimadas-rurais-urbanas-e-saude-humana.html