Com incentivo do Governo de Rondônia, tambaqui da Amazônia ganha sabores diferentes na culinária tradicional e gourmet
O peixe no rio é atração turística, demonstra toda a biodiversidade da Amazônia. Atrai turistas interessados na pesca, principalmente na modalidade esportiva. Mas os peixes, numa região como a Amazônia, são muito mais que uma atração esportiva. Com o incentivo do Governo de Rondônia, um dos principais produtos da piscicultura do Estado vai chegar às mesas dos brasileiros com a realização do 2º Festival Nacional do Tambaqui da Amazônia, no próximo dia 19 de setembro.
O evento está sendo executado pelo Governo do Estado, por meio da Secretaria Estadual de Agricultura (Seagri), Entidade Autárquica de Assistência e Extensão Rural (Emater-RO), Superintendência Estadual de Desenvolvimento e Infraestrutura (Sedi), em parceria com a Associação dos Criadores de Peixes de Rondônia (Acripar), o Sistema Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), Lions Clube, Zaltana Pescados, Agrofish, Nova Aurora e WS Pescados da Amazônia.
Durante o evento, serão assadas 35 mil bandas do peixe; somente em Rondônia serão mais de 20 mil. Os peixes do festival têm várias fontes: doação de piscicultores, compra de prefeituras e do Executivo Estadual, por meio de Termo de Fomento entre Sedi e Acripar que realizou a compra do pescado.
PRIMÓRDIOS
Mas para entender como o tambaqui ganhou toda essa proporção precisamos voltar no tempo. Os peixes são à base da alimentação da população desde os primórdios, com um modo diferenciado de pesca e preparo. Cultura que se adaptou e se espalhou para outras regiões aumentando a importância da cadeia produtiva e econômica do peixe, em especial o tambaqui, cujo sabor agrada os paladares mais exigentes.
PESCA INDÍGENA
Do caboclo da Amazônia ao ribeirinho, passando pelos indígenas, todos os povos têm uma ligação especial com os peixes de qualquer espécie. Rubens Suruí, hoje com 32 anos, conta que aprendeu ainda criança a pesca tradicional indígena Paiter Suruí.
“A pesca envolve geralmente toda a comunidade. Os Paiter usam tanto o arco e flecha quanto o timbó, que é um cipó que são tradicionalmente usados para atordoar os peixes e ajudar na pesca, porque os peixes começam a boiar e podem ser facilmente apanhados à mão, mas não ficam impróprios para o consumo porque se recuperam ao serem deixados na água. Esse processo pode levar o dia inteiro e as pescarias duravam até uma semana”, explica o indígena.
Antes do contato, Rubens conta que, como nas aldeias não tinha energia elétrica, a forma de conservar o peixe era assar na folha de babaçu. “Nós dividimos, em pequenos pacotinhos e assim o peixe durava de três a quatro dias. Só abríamos o pacotinho que seria consumido. A folha conserva o peixe”, ensina.
O preparo do peixe continua bastante tradicional e o consumo é sempre em comunidade. “Os Paiter Suruí costumam ainda usar a folha do babaçu e não de bananeira para enrolar o peixe limpo; o peixe cozinha lá dentro e fica bem molinho. O sabor fica muito diferente. É o processo de cozinhar o peixe na brasa que a gente chama de “moqueado“, sem salgar porque os antigos não gostam de comida salgada, é mais saudável. Diferente dos mais novos que já preferem a comida mais temperada. O peixe é assado é dividido entre todas as famílias que pescaram e depois de pronto a gente come com cará, biscoito de milho”, compartilha Rubens sobre a cultura tradicional Paiter Suruí.
Hoje em dia o indígena conta que é bem diferente do tradicional. “Alguns usam equipamentos de pesca, em algumas aldeias os indígenas tem investido em tanques de piscicultura também para a produção do tambaqui para o consumo interno da comunidade. Mas os antigos ainda preferem o peixe do rio que tem um sabor diferente”, salienta o indígena.
PESCA RIBEIRINHA
Já o ribeirinho, morador do distrito de Calama no Baixo Madeira, Adalberto Pantoja Nascimento de 61 anos, desde novo costumava pescar da forma tradicional, mas com tarrafas e malhadeiras. “Eu pesco há mais de 30 anos e aprendi só observando os outros pescadores. É um instinto natural para quem nasce aqui. Pescar é um modo de sobreviver. Gostamos de peixes e temos que saber pescar. O tambaqui é um peixe especial, que navega por lua. O tambaqui é brigão, tem uma força enorme como a jatuarana. O maior que eu já pesquei tinha 15 quilos, mas hoje é difícil encontrar no rio tambaqui desse tamanho”, comenta.
TAMBAQUI
O tambaqui, cujo nome científico é Colossoma macropomum, também é conhecido pelos nativos da Amazônia como pacú vermelho. O peixe de água doce e de escamas pode alcançar cerca de 110 centímetros de comprimento total. Antigamente eram capturados exemplares com até 45 quilos. Hoje, por causa da sobrepesca, praticamente não existem indivíduos desse porte. É uma espécie com sabor diferenciado por se alimentar de frutos ou sementes.
Já a produção de tambaqui em regime semi-intensivo é um dos pontos fortes da piscicultura rondoniense, com enorme potencial de crescimento devido a grande disponibilidade de recursos hídricos na região e a participação massiva dos pequenos produtores. Nos últimos três anos, Rondônia ampliou a área destinada à piscicultura e, atualmente, conta com cerca de 16 mil hectares de espelho d’água.
DO RIO PARA A MESA
Devido ao sabor, o tambaqui é o ingrediente principal de muitas preparações e carro-chefe no cardápio de muitos restaurantes, seja em receitas tradicionais ou inovadoras. Neste restaurante, o empresário Adriano Amaral, investiu em várias receitas a base de tambaqui. “O tambaqui é o nosso prato principal, aproveitamos quase que na totalidade, diferente de antigamente que de 100 quilos cerca de 20 quilos não eram aproveitados nos restaurantes. Hoje, nós só descartamos a espinha e ainda não conseguimos ainda fazer uma receita com a pele, mas estamos testando.
Com a cabeça e o rabo do peixe fazemos a famosa caldeirada. A costela que vai em várias receitas, temos também o filé do lombo que fazemos o tambaqui a parmegiana; quando assamos e desfiamos e fazemos o escondidinho; o pastel, enfim vários pratos elaborados”, destaca o proprietário.
PREPARO
Na cozinha, o empresário mostra o passo a passo de um dos principais pratos servidos no restaurante: tambaqui assado na brasa sem espinha. Na banda do tambaqui já limpa e sem as espinhas, ele acrescenta uma pasta de temperos que inclui colorau (urucum), cebola picada, cheio verde, alho, chicória, sal, azeite e limão. O tempero é colocado sobre o peixe, incluindo as entranhas, deixando a cor diferente e o sabor sensacional depois de assado na brasa.
Segundo o empresário, dono de um dos três principais restaurantes localizado na Vila da Candelária, em Porto Velho, que fizeram do tambaqui o ingrediente principal no cardápio, juntos chegam a atender cerca de duas mil pessoas somente no domingo, a maioria turistas de outros estados.
A engenheira de alimentos Renata Sacilotto, que veio de São Paulo e escolheu o tambaqui assado para experimentar disse que acha muito saboroso. “Um peixe bem agradável, não é muito forte. Eu já comi tambaqui em outros estados e pela primeira vez estou comendo aqui”.
Já o professor Assis Hotong, descendente de chineses, mas que nasceu em Rondônia, está acostumado com o sabor do tambaqui. “A carne desse pescado é tenra, e quando é servido sem a espinha é muito melhor. É minha opção número um, é muito nutritivo e se adequa à culinária local acompanhado de outros ingredientes como arroz, farinha. Ele pode ser feito de várias formas, assado, caldeirada, moqueado, é o meu preferido”, salienta.
VALORES NUTRICIONAIS
O tambaqui está entre os peixes com maior valor nutricional. É rico em proteínas, minerais, contém vitaminas do Complexo “B”, fósforo. Lembrando que é na carne do lombo do peixe que se concentra a maior parte dos nutrientes.