Dona de casa adota duas crianças com deficiência: ‘basta amor e paciência’
Em 2018, a dona de casa Arely Vieira de Carvalho Batista, 37, adotou duas crianças com deficiência e em idade tardia. Segundo ela, a experiência com o filho biológico Samuel, 13, que tem autismo, foi a preparação para acolher na família Elizabete, 12, com paralisia cerebral, e Henrique, 16, que é tetraplégico. “A deficiência não é um bicho de sete cabeças, basta amor, perseverança e paciência para dar tudo certo”. Conheça a história deles:
“Tenho cinco filhos, três biológicos e dois adotivos. Até um ano e meio de idade, o Samuel era um bebê normal: sorria, balbuciava, andava. Um dia ele teve uma convulsão enquanto brincava. A neuropediatra pediu alguns exames e foi constatado que ele tinha epilepsia.
Depois desse episódio, percebi que o Samuel passou a apresentar alguns comportamentos estranhos ao longo de seis meses: ele não olhava mais quando era chamado, chorava toda vez que tinha algum contato físico, quando eu o pegava para tomar banho ou trocar fralda, começou a andar na ponta dos pés e passava horas olhando e girando a rodinha da boneca da minha outra filha, a Alana.
Aos dois anos, a neuro trabalhou com a suspeita de transtorno do espectro autista. Ele iniciou tratamento na Apae para receber estimulação precoce e, só aos cinco anos, recebeu o diagnóstico fechado de autismo.
Fiquei muito triste e passei por um momento de luto. Imaginava que a deficiência só tinha o lado ruim e sofrimento, mas à medida que fui conhecendo e descobrindo maneiras de lidar melhor com a situação, descobri que a deficiência não é um bicho de sete cabeças, basta amor, paciência e perseverança para dar tudo certo.
Em 2012, estava na Apae esperando o Samuel fazer uma das terapias quando vi uma menina com paralisia cerebral chegando para atendimento. Me chamou atenção o quanto ela era brava e agressiva. Fiquei sabendo que o nome dela era Elizabete e que ela vivia em um abrigo. O Samuel recebeu alta da Apae, nunca mais tive notícias da menina até que em 2017 nossos caminhos se cruzaram.
Não tinha planos de ter mais filhos, meu marido já era vasectomizado, mas, após uma prima me contar que estava na fila de adoção, o instinto materno despertou. Ao pensar nas dificuldades de inclusão com o Samuel, imaginei quantas crianças especiais em abrigos não passavam pelo mesmo ou até mais.
Falei para o meu marido: ‘Vamos adotar uma criança com deficiência para que ela tenha direito a uma vida com mais oportunidades e melhores condições’. Inicialmente, ele ficou chocado com a minha ideia, mas mesmo assim fui na comarca da minha cidade, Guaratinguetá, no interior de São Paulo, e trouxe a papelada. Nós conversamos e decidimos encarar o processo de adoção, que foi super rápido. Demos entrada em junho de 2017 e em outubro já estávamos habilitados.
Recebi o convite da assistente social e da psicóloga para visitar uma menina cadeirante em um abrigo. Ao me mostrar a foto dessa menina no computador, meu coração disparou, disse que a conhecia, que a tinha visto na Apae há uns cinco anos. Reconheci a Elizabete, a carinha era a mesma. Eu e meu marido fomos visitá-la e tivemos a certeza de que ela era nossa filha.
Durante o estágio de convivência, ia vê-la cinco vezes na semana e cuidava dela: dava banho, comida, brincava. Depois avançamos para a fase em que ela podia ficar em casa. Passadas todas as etapas, conseguimos a guarda provisória da Bete em fevereiro de 2018, ela tinha nove anos quando a adotamos.
Nosso maior desafio foi mudar as atitudes violentas dela. Ela era nervosa e agressiva e se machucava toda vez que era contrariada. Com muito amor, conseguimos mudar o comportamento dela. Em agosto, pegamos a guarda definitiva da Bete e continuamos no cadastro para adoção, dessa vez para uma menina saudável, de até 12 anos. A Alana, minha segunda filha, queria mais uma irmã.
Até surgiu a oportunidade de conhecer uma menina, mas no fim não deu certo. No mesmo dia, o coordenador de um grupo de adoção me ligou dizendo que tinha encontrado “meu filho”, que ele morava no Rio de Janeiro e que eu precisava conhecê-lo. Era um menino tetraplégico, de 14 anos. Ele estava completamente fora do perfil que procurávamos, mas mesmo assim fomos visitá-lo.
Henrique foi vítima de maus-tratos pela família biológica
Fui imaginando encontrar um rapazão, mas quando cheguei lá vi um menino baixinho, magrinho, todo atrofiado e sentado em uma cadeira de rodas. Na hora meu coração ficou apertado, porque tinha certeza de que tinha acabado de encontrar meu filho, mas em uma situação muito vulnerável. O Henrique é um milagre de Deus, ele passou 14 anos com a família biológica sendo vítima de maus-tratos. Segundo as meninas do abrigo me contaram, ele vivia num quadro de abandono, era agredido e passou fome.
Como nós morávamos em estados diferentes, a juíza autorizou que o estágio de convivência fosse na minha casa sob a supervisão da comarca da minha cidade. O Henrique veio para o período de adaptação e já ficou conosco em definitivo. Nós concentramos todos os esforços para o ganho de peso dele. Ele tinha 14 anos e pesava 9 kg, o peso de um bebê. Além de tetraplégico, ele não tem deglutição, é traqueostomizado e tem graves problemas respiratórios. Apesar da saúde frágil, ele se tornou um menino muito feliz e sorridente depois que chegou na nossa família.
Com três crianças especiais em casa, percebi que elas tinham algumas necessidades em relação a vestuário e equipamentos. Como é tudo caro, eu mesma passei a criar algumas adaptações. Por causa do autismo, o Samuel tem dificuldade em encontrar o lado certo da roupa. Costurei uma etiqueta grande e vermelha destacando o lado que é para trás.
Para o Henrique, fiz uma gola maior nas camisas, devido à traqueostomia, e um alargamento nos moletons por causa da deformidade na coluna e no tórax. Para a Bete, coloquei velcro na lateral de uma jardineira jeans e botões entre as pernas para trocar a fralda, o que facilita bastante na hora de trocá-la na cadeira de rodas. Os banheiros privados têm trocador para bebês, mas não para uma menina de 12 anos.
Com essa peça adaptada para a Bete, eu ganhei um concurso de moda inclusiva na minha cidade, em que mães de crianças especiais tinham o desafio de fazer uma adaptação em um vestuário. Nós participamos de um desfile em São Paulo para apresentar a roupa dela. Foi uma experiência muito legal. Este ano, criei uma conta no Instagram e no Facebook, chamada Múltiplo Olhar Adaptações.
A Bete e o Henrique são nossos filhos, eles apenas pegaram um caminho diferente dos outros, mas chegaram no seu destino final, que é a nossa família. Meu marido está desempregado, mas seguimos com o nosso sonho de construir uma casa com piscina e jardim, no terreno que compramos na roça, para fazer ainda mais atividades de estimulação e ajudar no desenvolvimento das crianças”.