O que dizem estudos que contestam eficácia da cloroquina contra Covid-19
Em meados de março, tanto a Food and Drug Administration (FDA), dos Estados Unidos, quanto a Organização Mundial da Saúde (OMS) aprovaram testes com o medicamento cloroquina, geralmente utilizado contra a malária, para tratar pacientes infectados pelo novo coronavírus. Acredita-se que, combinado a um antibiótico, o remédio pode ser eficaz no tratamento da doença.
Não é o que apontam, no entanto, outras pesquisas. De acordo com um estudo publicado no Médecine et Maladies Infectieuses no últiimo dia 30 março, a hidroxicloroquina não parece ajudar o sistema imunológico a eliminar o Sars-CoV-2. “Já existem outros estudos clínicos que mostraram que a droga não é eficaz contra a Covid-19, bem como vários outros vírus”, escreveu Katherine Seley-Radtke, professorada da Universidade de Maryland, nos EUA, em texto publicado no The Conversation.
Segundo ela — que é especialista em estudar medicamentos contra microrganismos do grupo dos coronavírus —, além de dar falsas esperanças aos pacientes, a cloroquina tem efeitos colaterais perigosos, como taquicardia e diarreia. Um artigo publicado nesta quarta-feira (8) na revista científica Canadian Medical Association Journal chama atenção para reações ainda mais séries, como confusão mental, paranoia e hipoglicemia, e para a falta de evidências.
“Apesar do otimismo (em alguns, até mesmo entusiasmo) para o potencial da cloriquina e da hidroxicloriquina no tratamento da covid-19, há poucas considerações sobre a possibilidade de essas drogas influenciarem negativamente o quadro da doença”, escreve David Juurlink, cientista autor do artigo. “Por isso, precisamos de melhores evidências para usar esses medicamentos rotineiramente no tratamento de pacientes com covid-19”, completa.
Seley-Radtke também ressalta em seu texto no The Conversation que, após as notícias de que a droga foi bem-sucedida em testes iniciais, o produto sumiu das prateleiras. “[O que] levou à escassez generalizada de hidroxicloroquina para pacientes que precisam dela para tratar malária, lúpus e artrite reumatóide, as indicações para as quais [o remédio] foi originalmente aprovado”, observa a especialista.
Esse “sumiço” aconteceu após dois estudos publicados no mês passado, um baseado em pacientes chineses e outro em franceses, constatarem que a cloroquina, quando associada ao antibiótico azitromicina, seria eficaz no tratamento da Covid-19.
Seley-Radtke explica que, no caso do estudo francês, embora alguns dos resultados tenham encorajado o uso do remédio, é importante lembrar que a maioria das pessoas tratadas apresentava sintomas leves da infecção pelo novo coronavírus. “Além disso, 85% dos pacientes nem tiveram febre, que é um dos principais sintomas da doença”, afirmou a cientista. “[Isso] sugere que esses pacientes provavelmente teriam eliminado o microrganismo naturalmente, sem nenhuma intervenção.”
Já no caso do estudo chinês, a professora da Universidade de Maryland explica que grande parte dos debates em torno do artigo publicado pelos pesquisadores não tem origem científica, mas linguística. “Como observado em vários comentários associados ao manuscrito, existem questões relacionadas à tradução do artigo que obscureceram as interpretações de alguns dos resultados”, ponderou Seley-Radtke.
Os novos estudos
Como nas pesquisas anteriores, o estudo publicado recentemente pelos médicos franceses é resultado de testes em um grupo pequeno de pacientes. A diferença é que, nas pesquisas mais recentes, os médicos focaram em pessoas que apresentaram sintomas graves da Covid-19 ou nas que faziam parte do grupo de risco.
“Entre cinco e seis dias após o início do tratamento com hidroxicloroquina (600 mg por dia durante 10 dias) e azitromicina (500 mg no dia 1 e 250 mg nos dias 2 a 5), oito dos 10 pacientes ainda testaram positivo para Covid-19”, revela Seley-Radtke. De acordo com o estudo, dos 11 pacientes testados, um morreu, dois foram transferidos para a UTI e outro teve complicações graves.
Já um artigo publicado no Journal of ZheJiang University, que teve base em pesquisas realizadas com pacientes chineses, traz à tona outra questão. Segundo os cientistas, uma semana após as pessoas testadas começarem a tomar a hidroxicloroquina, a carga viral de Sars-CoV-2 no organismo delas permaneceu a mesma, ou seja, não houve melhora do quadro.
Tendo tudo isso em vista, Seley-Radtke faz questão de ressaltar, em outro texto publicado no The Conversation, a importância de não se automedicar e de procurar tratamento médico em caso de aparecimento de sintomas de infecção pelo novo coronavírus. “Existem muitos problemas que podem surgir [da automedicação], de efeitos colaterais a toxicidade grave e morte devido a possíveis interações com outros medicamentos e outras condições de saúde subjacentes”, pontua