Atuação do MP garante que vidas não se reduzam a números e que crimes de feminicídios não fiquem impunes
Atuação do MP garante que vidas não se reduzam a números e que crimes de feminicídios não fiquem impunes
Luciene Teixeira Guilherme e Victoria Gandis Dias foram silenciadas pela covardia dos seus ex-companheiros
No dia 21 de dezembro de 2018, a jovem Victoria Gandis Dias, entrou nas estatísticas da forma mais extrema de violência de gênero exercida por homens contra as mulheres, o feminicídio. Foram quatro tiros de arma de fogo, disparados pelo seu ex-companheiro Maick Delgado Leite, em um motel na capital de Rondônia.
O autor do crime, foi denunciado pelo Ministério Público de Rondônia (MPRO) e no último dia 1º de setembro, todas as teses apresentadas pela promotoria foram acatadas pelos jurados, o que levou a condenação do réu, por feminicídio, a 18 anos de reclusão.
O feminicídio cometido contra a jovem Luciene Teixeira Guilherme no dia 3 de setembro de 2020 também não ficou impune. Foram 94 facadas desferidas pelo ex-marido por todo o corpo da vítima, com uma multiplicidade de golpes de canivete pelas costas, contra a face, seios e barriga. Toda brutalidade foi praticada na frente da filha do casal, uma criança de três anos. O crime ocorreu no município de Cerejeiras.
O assassino, Wilson José Conti Barbosa, foi denunciado pelo MPRO e depois de 1 ano e um mês depois, acabou sendo condenado, após denúncia da Promotoria de Justiça a mais de 33 anos de reclusão, em regime inicialmente fechado por crime de feminicídio.
No Brasil, até o ano de 2015, não existia uma legislação que aplicasse uma penalidade especial para o homicídio que era praticado por razões da condição do sexo feminino. Contudo, em 9 de março de 2015, foi publicada a Lei 13.104/15, que alterou o artigo 121 do Código Penal Brasileiro, passando a prever o feminicídio como circunstâncias qualificadoras do crime de homicídio e, no mesmo norte, foi inserido no rol de crimes hediondos com a intenção de excluir a ideia de “crime por amor”, pois quem ama, não mata!
CRIMES EM DECORRÊNCIA DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
Conforme dados da Polícia Civil do Estado de Rondônia, de 2018 a setembro de 2021, foram registrados no Estado 42 casos de feminicídio, dois desses citados acima. Esse crime abrange não somente a violência intrafamiliar ou doméstica, mas também aquela ocasionada no espaço público, por amigos, vizinhos desconhecidos ou pelo próprio Estado, por meio de seus agentes, dessa forma, são tipificados os homicídios de mulheres, tentados ou consumados, praticados em razão do sexo feminino em decorrência da violência doméstica e familiar ou por menosprezo e discriminação pelo fato de ser mulher. (Lei do Feminicídio, 13.140/15).
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Fonte: Polícia Civil
De acordo com os dados do Atlas da Violência 2020 de 2008 a 2018, Rondônia registrou 555 homicídios de mulheres. Para fatos anteriores a Lei n. 13.104/2015, não havia nenhuma punição em especial pelo fato de o homicídio ser praticado contra a mulher por razões da condição de sexo feminino. A Polícia Civil de Rondônia informou, que teve seus primeiros registros do fato “Feminicídio”, a partir do ano de 2018, sendo assim durante os anos de 2015, 2016 e 2017, o assassinato de mulheres em contextos discriminatórios, ou seja, apenas por razões da condição de sexo feminino, não eram considerados feminicídios.
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MP DE RONDÔNIA É PIONEIRO NA IMPLANTAÇÃO DE PROMOTORIA ESPECÍFICA
Diante do número assustador de feminicídios em Rondônia, o Ministério Público de Rondônia criou em 2018, por meio da Resolução 03/2018 – CPJ, a primeira Promotoria de Justiça do Brasil, com atribuições específicas em feminicídio, ou seja, voltada especialmente para a atuação no Tribunal do Júri em casos de homicídios dolosos praticados contra a mulher por razões da condição de sexo feminino. O objetivo principal é garantir que as vidas não se reduzam a números e que os crimes não fiquem impunes, como aconteceu com os denunciados Maick Delgado Leite e Wilson José Conti Barbosa.
De acordo com a promotora de Justiça Lisandra Vanneska Monteiro Nascimento Santos, o Ministério Público de Rondônia vem atuando para responsabilizar e punir os agressores e por meio da 37ª Promotoria, dos 15 feminicídios tentados e consumados existentes na pauta deste ano, 8 autores já foram condenados. “Essas condenações são uma resposta para a sociedade, mas precisamos trabalhar políticas de conscientização, principalmente nas escolas, no desenvolvimento dos meninos não machistas, pois sabemos que a principal causa do feminicídio é o homem que trata a mulher como objeto e defende aquela velha frase “se não for minha não será de mais ninguém. Temos mais de 8 mil processos de Maria da Penha e em Porto Velho existe uma efetividade da prevenção do feminicídio pelo trabalho que vem sendo realizado pela vara de violência doméstica”, destacou.
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Promotora Lisandra Vanneska Monteiro Nascimento Santos
A promotora ressaltou que a Lei Maria da Penha proporciona mecanismos para prevenir e coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. “As políticas da Lei Maria da Penha estão sendo bem cumpridas na vara de violência doméstica, a prisão preventiva que em regra não daria prisão se não fossem violência doméstica, acabam tendo um caráter preventivo, pois em muitos casos, o agressor é preso, sai e não volta a procurar a mulher. Se não tivéssemos essa prisão dentro da vara de violência doméstica, muitos desses iam terminar a ameaça que prometeram”, explicou.
INVESTIGAÇÃO COM PRIORIDADE
Segundo a delegada Leisaloma Carvalho, da Delegacia de Homicídios de Porto Velho, as estatísticas dos últimos três anos revelam que os casos de feminicídio se mantiveram na mesma, contundo houve um crescimento de mortes de mulheres. “Durante as investigações, acabamos descobrindo que os crimes praticados contra algumas mulheres em Porto Velho estão ligados ao seu envolvimento em organizações criminosas, ou por brigas de facção ou represálias, ou seja, não está ligado ao gênero”, apontou a delegada.
A delegada esclareceu ainda, que as investigações em cima dos casos de violência contra mulher são tratadas com muita prioridade. “Os desfechos desses casos são cobrados, para acabar o quanto antes com a sensação de impunidade. O foco é maior, porque a cobrança é maior também. É importante que as mulheres denunciem qualquer tipo de violência. Elas podem perdoar seus parceiros, mas é preciso registrar esse fato. Perdoar não significa não registrar ocorrência”, ponderou Leisaloma.
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ARMAS BRANCAS
Segundo apontamentos feitos pelo Anuário Brasileiro de Segurança Pública, a diferença mais significativa na comparação entre os feminicídios e os demais assassinatos de mulheres se dá em relação ao instrumento empregado. Enquanto armas de fogo respondem por 64% de todos os demais assassinatos de mulheres, semelhante à média nacional, a maioria dos crimes de feminicídio ocorrem com a utilização de armas brancas como facas, tesouras, canivetes, pedaços de madeira e outros instrumentos (55,1%) que podem ser utilizados pelo agressor.
CENÁRIOS
Segundo dados do estudo ‘Violência contra a mulher: feminicídios no Brasil’, elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), com base em dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde, os companheiros delas são os principais assassinos. Três em cada dez mulheres assassinadas foram atingidas dentro da própria casa, o que reforça o perfil de violência doméstica ou familiar. De acordo com o levantamento do Ipea, 40% de todos os homicídios são cometidos pelos companheiros das vítimas.
Segundo a ONU, os dados revelam que “a própria casa é o local onde a mulher corre o maior risco de ser morta”, ou seja, as mulheres continuam morrendo naquele local em que deveriam estar mais seguras: suas residências. Entre os fatores pesquisados, que podem aumentar a vulnerabilidade das mulheres de serem mortas pelos parceiros íntimos incluem a disparidade de idade entre os cônjuges, a situação marital não formalizada, as tentativas prévias da mulher em obter a separação (especialmente nos três meses que antecederam o assassinato) e histórias repetidas de violência e agressões.
De acordo com uma pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no Brasil, os homicídios dentro de casa são mais frequentes quando a vítima é mulher. No levantamento, o instituto detalhou que, em 2018, enquanto 30,4% dos homicídios de mulheres ocorreram no domicílio, para os homens essa proporção foi de 11,2%.
ENFRENTAMENTOS
A coordenadora do Centro de Referência Especializado da Assistência Social no Atendimento à Mulher Vítima de Violência Doméstica (Creas/ Mulher), Vânia Tomaz, detalha que em alguns casos as mulheres que sofrem violência não falam sobre o problema por um misto de sentimentos: vergonha, medo, constrangimento.
“A violência contra a mulher é tão naturalizada na sociedade, que algumas mulheres acham normal serem xingadas, humilhadas. Quando elas chegam no centro, nosso trabalho é conscientizar da existência dos seus direitos. Muitas não registram ocorrência, não pedem medidas protetivas. As vítimas precisam ser atendidas, acompanhadas e fortalecidas em linhas de cuidado que podem demandar longos períodos de tempo”, aponta.
Vânia Tomaz reforça ainda que a missão do Creas/ Mulher é cessar o ciclo da violência, esteja ele no estágio que estiver. “Precisamos construir portas de saída para essa situação, pois sabemos que a situação tende a se agravar e a consequência é o feminicídio. Os agressores constroem uma autoimagem de parceiros perfeitos e bons pais e aos poucos eles começam a isolar a vítima para ter o domínio total”, explica.
São diversos os fatores que explicam a permanência da vítima na relação violenta: a dependência afetiva, a dependência financeira, a fragilidade em decorrência da falta de autoestima e o sentimento de compaixão pelo companheiro. Também existe o peso das ameaças sofridas pelas mulheres no caso de colocarem um fim ao relacionamento, seja contra os filhos ou contra a própria vítima.
Segundo a coordenadora, os casos que chegam ao centro com risco iminente de morte são encaminhados para o Ministério Público, Delegacia da Mulher, Defensoria e outros órgãos de proteção da mulher. “Em média, acompanhamos um caso por 6 meses e os mais longos, são de mulheres que sofreram tentativa de feminicídio. A fase da separação é a mais delicada e mais perigosa, pois é quando ele percebe que a parceira tomou consciência e que ela vai seguir sozinha, e então a ideia de liberdade da mulher faz com que ele perca o limite da sua sanidade mental e cometa o feminicídio”, frisou Vânia.
Se você for vítima ou se conhece alguém que é, procure ajuda profissional. Denuncie em qualquer Delegacia de Polícia ou através do número 180.
Na capital as denúncias podem ser feitas nos seguintes locais:
Delegacia Especializada em Atendimento à Mulher e a Família (Deam) na Avenida Amazonas, 8145, bairro Escola de Polícia, ou pelo telefone (69) 98479-8255,
Polícia Militar: 190,
Polícia Civil 197,
Patrulha Maria da Penha (69) 3221-7828,
CREAS – Plantão Social 24 horas 0800-647-1311,
Ministério Público do Estado de Rondônia (69) 3216-3900/3996,
Defensoria Pública do Estado de Rondônia Núcleo “Maria da Penha”.
Denuncie. É importante não ter vergonha e não se sentir culpada. Lembre-se, o seu silêncio pode custar a sua vida.