‘Guru espiritual’ é denunciado por praticar abuso sexual em seita
Casos envolvendo denúncias de crimes sexuais praticados por um homem que se intitula líder espiritual na cidade de Fortaleza são acompanhados pelo Ministério Público do Ceará (MPCE). As vítimas apontam Pedro Í. M., o Ikky, como responsável por uma série de abusos sexuais, físicos e psicológicos cometidos durante reuniões de uma seita espiritual.
Os abusos e agressões teriam ocorrido entre 2018 e o ano passado. Os relatos foram exibidos na edição do Fantástico deste domingo (19). De acordo com as vítimas, o estudante de Filosofia se apresentava como mestre espiritual da Comunidade Afago e usava da posição dentro do grupo para cometer os crimes.
O MPCE requisitou ao delegado-geral da Polícia Civil do Ceará instauração de inquérito policial para investigar o caso. O promotor de Justiça Régio Lima Vasconcelos, da 144ª Promotoria do MPCE, afirmou que por meio da análise preliminar do material recebido pelo órgão foi percebido que os fatos relatados condizem com tipificações de diversos crimes.
“Se confirmados, podem ensejar a prática, em tese, dos delitos de lesão corporal, estupro, charlatanismo e curandeirismo, previstos, respectivamente, nos artigos 129, 213, 283 e 284 do Código Penal Brasileiro, cuja eventual responsabilidade criminal não está associada à idade ou aquiescência de possíveis vítimas. Somente a investigação, com o total esclarecimento dos fatos noticiados, revelará a natureza das atividades da referida comunidade”, afirmou o promotor.
Pedro Í., não quis conceder entrevista pessoalmente ao Fantástico, mas, por telefone, disse que no começo deste ano registrou Boletim de Ocorrência alegando ser vítima de calúnia e difamação por parte de pessoas que deixaram a comunidade. O suspeito negou as acusações de estupro. Segundo ele, houve relações sexuais com alguns homens, mas elas eram consentidas.
Acusações
As vítimas relataram ao Fantástico diversos episódios envolvendo Ikky na posição de agressor. Um jovem que optou por não ter seu nome divulgado contou que o suspeito o obrigou a ter relações sexuais com ele: “Eu estava chorando, sangrando e eu esperava dele um pouco de humanidade. O que ele fez foi tirar minha blusa e colocar minha blusa na minha boca para que parasse de chorar e ele pudesse continuar”.
Já uma mulher, também de identidade preservada, comentou os impactos negativos em sua saúde mental após as vivências no lugar. “Eu entrei na Afago já num momento frágil psicologicamente. E fui ficando cada vez mais frágil e culminou numa crise de depressão muito intensa”, lamentou.
As acusações também miram a prática de estelionato. Segundo a recepcionista Pamela Magalhães, a única a mostrar o rosto em entrevista ao Fantástico, “a cada semestre ele aumentava o valor desses cursos, tanto que quando eu entrei era R$ 50 e quando eu saí um determinado curso já era R$ 1500”.
Outro aluno disse que ao final do ciclo de aulas, não houve a entrega do certificado. “A gente não teve nenhum tipo de certificado, mesmo tendo sido prometido que nós seríamos certificados e poderíamos atuar como terapeutas”, relatou.
Ikky ofereceria ainda a terapia tântrica. Uma das vítimas disse que o estudante a incentivou a fazê-la por conta de “muitas questões sexuais mal resolvidas”. O guru alegava que havia recebido formação do Prem Hamido, que tem uma clínica de terapia corporal em Fortaleza. Porém, o terapeuta desmentiu Ícaro durante entrevista ao Fantástico.
“Em nenhum momento, eu jamais fiz qualquer curso, que eu tenha ministrado qualquer curso profissional pra ele. Em nenhum momento eu jamais tive qualquer tipo de formação profissionalizante com ele”, ponderou Prem Hamido, complementando que atendeu o estudante como cliente uma única vez.
Não bastasse as violências praticadas, a comunidade Afago tinha ainda um ritual de batismo que deixava cicatrizes. “Você era batizado com água no chuveiro da casa dele e se você fosse teimoso ou desobediente, ou qualquer uma dessas características rebeldes, né, era queimado com uma pedra quente atrás da nuca, no pescoço”, contou um jovem.
Rituais
De acordo com os integrantes da comunidade, os jovens passavam por provas violentas, como a troca de tapas, para subir de hierarquia. A reportagem obteve um áudio em que o acusado convocava os alunos.
“Quero que vocês tragam na próxima aula (…) o que vocês escreveram sobre levar um tapa na cara e que vocês tragam uma bacia (…) e uma vela. Uma vela grossinha. A bacia tem que ser grande o suficiente pra você poder mergulhar a tua mão ou alguma parte do teu corpo depois que eles forem queimados”, dizia.
O resultado era um só: “As pessoas ficavam muito tontas. Choravam. Eu sempre chorava”, revelou uma vítima. A justificativa para a sequência dolorosa chamava a atenção. “Ele falava que era pro nosso crescimento pessoal e espiritual”.
Outro ritual era o “ovo luminoso”. Em um círculo mais restrito cinco homens e duas mulheres são convocados para participar. Eles devem obedecer as ordens do estudante. “Para as meninas, ele só pedia o sangue menstrual. Mas pros rapazes, ele dizia que para participar do ovo luminoso, tinha que ter dez sessões de sexo com ele”, detalhou uma das vítimas.
“O que você precisa para expandir sua identidade é seguir o que você tem nojo, é seguir o que você tem aversão. Então fique com meninos, comece a beijar outros rapazes e tenha relações comigo que sou seu mestre. A partir disso, você vai conseguir essa expansão que você tá procurando”, conta um homem, repetindo o argumento usado pelo guru para convencer os seguidores.
Outra versão
Pedro Ícaro negou as acusações de estupro. Segundo ele, houve relações sexuais com alguns homens, mas elas eram consentidas.
“Muitas das acusações foram racistas, para ser honesto. Não me chamavam só de mago negro, de magia negra. Eles falavam realmente que eu era um fascista. Houve crimes com relação a isso: a eu ser homem, ser negro e ser gay”, contou Ícaro ao telefone acrescentando que só participavam dos rituais pessoas que se apresentavam espontaneamente, abordou Ícaro.
O advogado de defesa, Klaus Borges, afirmou que se preparam para protocolar ação em breve contra as pessoas que supostamente estariam caluniando Pedro. Ele também afirmou que seu cliente nega ter cometido qualquer crime.
Já os gestores da Comunidade Afago divulgaram nas redes sociais nota oficial afirmando estarem “chocados e abalados com toda a situação”. Conforme a gestão, a dimensão das acusações feitas resultou em confusão psicológica e emocional da liderança.
“A confusão que afeta todos nós, cria um cenário extremamente delicado, dado que ainda não houve tempo de entender e ouvir todas as partes, tendo muitos ainda não entendido as próprias emoções, dado que os respingos dessa crise caíram sobre todos”, afirma o trecho divulgado.
A Comunidade também pediu desculpas e afirmou não compactuar com qualquer tipo de abuso, violência e assédio, seja de teor psicológico, simbólico ou sexual.
O Ministério Público do Ceará ressaltou ter instaurando um procedimento administrativo denominado ‘Notícia de Fato’ com objetivo de acompanhar os relatos. Sobre os fatos narrados serem caracterizados como seita, o promotor disse que “somente com a investigação, com o total dos esclarecimentos dos fatos noticiados, revelará a natureza das atividades da referida comunidade”.