RELATO: Casei com um homem que me ligou por engano
“Era véspera do feriado de Corpus Christi e eu estava almoçando tranquilamente em casa quando meu celular tocou. Olhei no identificador do aparelho e não reconheci o número que marcava. Quando atendi, um homem do outro lado da linha foi logo falando que havia reservado um quarto sem lareira em uma pousada em Monte Verde. Sem saber quem era, falei que achava a escolha dele pouco romântica, já que lareira era item fundamental para o sucesso de um final de semana romântico na montanha. Ao perceber que não conhecia minha voz, o homem do outro lado da linha perguntou quem estava falando. Como eu também não o conhecia, respondi apenas que era “eu”. Perguntou, então, qual era o número do meu telefone, respondi que era aquele que ele havia chamado e que já estava registrado no celular. Bastava olhar. Ele quis saber meu nome. Menti dizendo que me chamava Cristina. Ele percebeu o engano. Nos despedimos dizendo tchau e desligamos. Achei aquilo engraçado, divertido. Nunca imaginei que ele pudesse me ligar novamente.
Depois de uma semana, me ligou. Quando atendi, reconheci a voz dele, que se identificou com seu verdadeiro nome, Antonio Luís. Fiquei surpresa. Desta vez, me procurou para contar que havia escolhido um quarto com lareira, como eu havia sugerido. Aproveitou para dizer que queria me conhecer. Fiquei assustada e respondi que não. Afinal, eu não sabia quem era aquele homem. Desliguei rapidamente porque não tinha interesse em prolongar aquele papo. Ele ligou mais umas cinco vezes nos dias que se seguiram. Quando via o número do celular dele no visor do meu telefone, desligava antes mesmo de atender. Embora aquela situação me deixasse um pouco assustada, algo na voz dele me dizia que se tratava de um homem interessante: sua maneira de falar, o português correto, o bom gosto para viagens. Depois de muita insistência, decidi dar uma chance e o atendi. No nosso terceiro telefonema, ele me contou que tinha 57 anos, estava separado havia três, era pai de três filhos homens. Contou-me que trabalhava no mercado financeiro e que também era dono de fazendas. O discurso dele parecia coerente, mas fiquei me perguntando se, na verdade, ele não era o motorista de um grande fazendeiro com esse perfil tentando se passar por um milionário.
Nessa época, eu estava separada havia dois meses de um casamento de 23 anos. Como fui eu quem pediu a separação depois de muito pensar — demorei um ano para tomar essa decisão —, me sentia tranquila e aliviada por estar solteira. A separação tinha sido amigável, felizmente. Não estava deprimida ou machucada. Pensei que não tinha nada a perder em topar o encontro com esse homem que tanto insistia em me conhecer. Na nossa terceira conversa, sugeri que nos encontrássemos em um café no shopping Iguatemi, em São Paulo. Era um lugar cheio de gente e familiar para mim. Qualquer problema, poderia pedir socorro. Não revelei meu verdadeiro nome e também menti sobre a roupa que vestiria no encontro. Disse que estaria toda de preto, mas coloquei um casaco de couro marrom por cima. Quando ele me perguntou qual era a cor do meu cabelo, respondi que era preto. Sou loira. Perguntou-me se eu era magra, respondi que não, mas sou. Falei tudo ao contrário. Mas ele foi fiel na sua própria descrição. Disse que era grisalho e que usava óculos, estaria vestido com uma calça azul marinho, uma camisa branca com uma listrinha azul — até hoje tenho essa roupa guardada.
Me programei para chegar atrasada ao encontro. Era uma maneira de despistá-lo, caso eu quisesse fugir sem dar na cara quem eu era. Havia vários homens sozinhos no café e não consegui identificá-lo. Só o reconheci quando ele ligou no meu celular, perguntando onde eu estava. Fiquei surpresa com o visual dele, achei um homem bem interessante. Ele fazia meu tipo. Olhei para os pés dele para ver que tipo de calçados ele usava (sou apaixonada por sapatos). Quando vi que eram Ferragamo (da grife de luxo do estilista Salvatore Ferragamo), acreditei no que ele vinha me dizendo. Me aproximei e, quando cheguei perto, disse que era a “Cristina” para que ele me identificasse. Mas em seguida falei que meu verdadeiro nome era Maria. Ele abriu um sorriso largo, puxou a cadeira para eu sentar. Depois, comentou a cor do meu cabelo: disse, com certo espanto, que eu era loira. Respondi que me achava morena. Ele disse que, de qualquer forma, tinha achado meu cabelo bonito. Mostrou-se um gentleman, muito simpático.
AutorLogo que sentei, perguntei sobre a mulher que ele havia levado para o final de semana na montanha. Tinha medo de ele ser um homem casado em busca de aventuras. Ele me disse que não era sua namorada. Era apenas um caso, que estava solteiro. Como não quis se estender no assunto, desconfiei. Perguntou sobre a minha vida. Contei que tinha acabado de me separar e que tinha duas filhas. Durante a conversa, ele me disse que faria uma viagem longa para a Turquia dali a 15 dias. Sozinho. Não acreditei. Durante o encontro, ele tentou pegar na minha mão, mas não deixei. Tentou me dar um selinho na hora de ir embora e eu desviei meu rosto. O papo foi agradável, achei o Antonio Luís um homem interessante e divertido. Ficamos de nos telefonar novamente.
Na segunda vez que saímos, fomos a um restaurante italiano. Foi uma delícia. Tomamos vinho, comemos bem. Foi nesse dia que eu comecei a me envolver de verdade. Ele era diferente do meu ex-marido: fazia galanteios, dizia que eu era linda e era muito cavalheiro. Puxou a cadeira para eu sentar, abriu a porta do carro. Durante a conversa, que, aliás, foi deliciosa, me beijou pela primeira vez. Combinamos de ir almoçar antes que ele embarcasse para a Turquia. Antonio Luís começou a me ligar e colocar músicas românticas no telefone, mandava flores, dizia que estava apaixonado. Com ele, eu me sentia a mulher mais especial do mundo. Embora estivesse recém-separada, comecei a sonhar com um relacionamento.
Depois que viajou, continuou me telefonando. Meu coração disparava quando ele ligava. Dizia que estava com saudade e acompanhado de amigos. Como eu não estava convencida desse papo, resolvi dar uma investigada na vida dele. Liguei para uma amiga que era dona de uma agência de viagens e pedi a ela que buscasse o nome dele nos voos que saíam de São Paulo para a Europa no dia em que ele viajaria. Não deu outra. Descobri que uma mulher o acompanharia durante os 15 dias de viagem. Num dos telefonemas, perguntei mais uma vez se ele estava viajando sozinho. Ele respondeu que sim. Falei então que eu sabia que ele estava mentindo e pedi para ele não me ligar nunca mais. Ele negou e continuou me ligando, mas eu não queria mais saber dele. Fiquei possessa, com raiva. Chorei dias seguidos. Ficava pensando como ele podia ter sido tão cara de pau. Fiquei decepcionada.
De volta ao Brasil, Antonio Luís começou a me ligar de números diferentes. Como eu desligava quando ouvia sua voz, pediu para a secretária me procurar. Senti que se ele estava insistindo tanto, é porque tinha interesse. Topei encontrá-lo para fazermos as pazes. Durante o jantar, falei que sabia que ele tinha viajado tal dia, por tal companhia, com tal pessoa. Que tinha ficado em tal hotel e em tal cidade por tantos dias. Falei que se ele assumisse a mentira, poderíamos continuar. Boquiaberto, perguntou como eu tinha descoberto todas aquelas informações. Contei a verdade. Ele confirmou a história. Explicou que era um outro casinho. Não era a mesma mulher que havia levado para Monte Verde. Pedi a ele que terminasse com todas. Ele topou.
Naquela mesma noite, ele dormiu em casa. Apesar de nos conhecermos pouco, parecia apaixonado. Tínhamos, e temos até hoje, uma química muito boa. Eu estava um pouco nervosa com aquela situação porque era a primeira vez em 23 anos que eu dormia com um homem diferente do meu ex. O nervosismo que eu sentia era parecido com o de quando perdi a virgindade. Eu estava com uma expectativa enorme. Foi uma delícia. Ele foi carinhoso e me deixou segura.
No dia seguinte, fomos ao escritório onde ele trabalhava e conheci um dos seus filhos. Era o sinal que eu precisava para saber se ele estava realmente me levando a sério. Aos poucos, fui relaxando. Saímos de novo à noite e ele dormiu em casa novamente. No terceiro dia seguido que saímos juntos, pegamos algumas peças de roupa e a escova de dentes dele para deixar na minha casa. Ele terminou com todas as suas “amigas” e “namoradas”, e um mês depois do dia em que saímos para jantar, ele estava morando comigo.
Quando eu contava para meus amigos como tinha conhecido meu namorado, ninguém acreditava. As pessoas tomavam um susto quando ficavam sabendo que três meses depois da separação eu já estava morando com outro homem. Foi tudo muito rápido. Meu ex-marido ficou péssimo, enciumado. Ele e outras pessoas que conviviam com a gente acharam que eu tinha me separado dele para ficar com o Antonio Luís. Mas não tinha como ter conhecido ele antes. Não frequentávamos os mesmos lugares e não tínhamos amigos em comum. Quando meu ex percebeu que meu novo amor não era uma pessoa do nosso meio, ficou mais tranquilo. Depois, com o tempo, descobrimos que ele tinha convivido com minhas irmãs na adolescência, mas tinham perdido o contato.
O fato de ele ter mentido sobre suas “namoradas” quando nos conhecemos me fez ser uma mulher ciumenta no início do namoro. Eu ficava muito angustiada e brava com a quantidade de mulheres, amigas, que ligavam para ele. No começo, eu reclamava. Ele dizia que não precisava me preocupar. Hoje, entendi que era verdade. Ainda tenho ciúmes, mas bem menos do que no passado. Afinal, ele está com 68 anos.
Depois de quatro anos juntos, minhas filhas saíram de casa e fui morar no apartamento dele. Fizemos uma turma de amigos. Durante a semana, saímos para jantar só nós dois ou com esses amigos. Nos fins de semana, vamos para nossa casa de praia ou para o Rio de Janeiro. Quando Antonio Luís tira férias do trabalho, viajamos para o exterior. Levamos uma vida feliz e confortável. Estamos em uma idade de curtir e aproveitar. Nos natais, juntamos nossos cinco filhos e seis netos. É muito gostoso. Faz 11 anos que estamos juntos. Antonio Luís costuma dizer em tom de brincadeira, claro, que sou o engano da vida dele. E ele é a melhor surpresa da minha vida.”