RELATO: Descobri que meu namorado tem mais maquiagem que eu
“Conheci Guilherme* em junho do ano passado em um aplicativo de relacionamentos. Foi a primeira vez que tinha instalado no meu celular. Era um sábado e decidi começar a busca por alguém bacana. Dei match e marcamos de nos conhecer no mesmo dia em um barzinho de Manaus. Ele é de São Paulo e estava à trabalho na minha cidade. Conversamos muito e soube que ele era executivo de uma multinacional, por isso, ia sempre à Manaus.
De cara, me encantei! Guilherme chegou todo informal, de camiseta e bermuda. Me pareceu um cara simples, inteligente e divertido, além de gato, alto, todo sarado. Tinha 38 anos. Rimos e nos divertimos a noite toda. No final, ele me beijou. Que noite maravilhosa! Que homem perfeito! Naquele dia ficamos só nos beijos mesmo. Nos falamos no dia seguinte e ele me convidou para jantar. Aí sim, depois do jantar, tivemos nossa primeira noite juntos, que foi sensacional. Eu nem imaginava que teria muitas surpresas.
Tivemos outros encontros nos meses seguintes, em restaurantes, shoppings, fizemos alguns passeios agradáveis em Manaus juntos. Ele ia a cada 15 dias pra lá. Nunca chegamos a falar de relacionamento sério, embora eu o achasse o cara perfeito para namorar. Era só um crush. Resolvi deixar o tempo correr. Ele se afastou de mim por uns dois meses e, em janeiro deste ano, recebi uma proposta de trabalho para morar em São Paulo, onde ele morava. Lá, refiz o contato e nos encontramos de novo. Nessa época, havia me decepcionado com Aessio, outro carinha que eu ficava. Pensei, então, ‘por que não rever Guilherme?’ Lhe disse que estava em São Paulo e marcamos de nos encontrar no Terraço Itália, lugar mais romântico impossível. Há dois meses não nos víamos. Ele, como sempre, foi educado e gentil. Mas, nesse dia, não rolou nada, porque estávamos muito distantes ainda, embora ele insistisse. Achei melhor não, já que não estava querendo ficar por ficar. Queria algo a mais.
Nosso segundo encontro foi no dia 17 de janeiro deste ano e marcamos de sair para dançar. Ele me disse que iríamos a um lugar diferente e fiquei ansiosa, contando as horas para revê-lo. Guilherme marcou de me encontrar em um bar na rua Augusta e ficou falando por mensagens que estava chegando, mas nunca chegava. Fiquei bem tensa porque ele não aparecia. Pensei que, pela primeira vez, que me daria um bolo. Daí, me disse que se atrasou e que pediria um táxi para eu encontrá-lo numa boate em Pinheiros, onde iríamos dançar e nos divertir. Quando cheguei ao local, percebi que era uma boate LGBTQ+. Estranhei, mas tudo bem. A fila estava gigantesca e nada do Guilherme chegar. Quando entrei, percebi que minha bateria do celular estava baixíssima e pedi ao gerente da casa para fazer uma ligação. Perguntei onde Guilherme estava, e ele me disse que já estava na fila. Pedi um drink no bar e continuei esperando. Minutos depois, um rapaz se aproximou e perguntou se eu estava ali sozinha. Lhe respondi que estava aguardando meu crush. Cerca 15 minutos depois, uma mulher alta, com um vestido preto justo, maquiada, de unhas feitas, se aproximou de mim. Ela me deu boa noite e começou a conversar. Achei que estivesse interessada por mim e disse que estava esperando uma pessoa. Nisso, ela respondeu: ‘Sou eu, Lene!’
Como assim?’, respondi. E ela continuou: ‘Sou eu, Guilherme!’ Quase caí da cadeira! Fiquei chocada! Achei que fosse uma pegadinha. Mal o reconheci. Vi aquela mulher toda maquiada, de salto altíssimo e vestido curto tirar o celular da bolsa e me mostrar o histórico da nossa conversa no celular. Eu não sabia o que dizer, nem o que pensar. Fiquei muda. Lembro de dizer que precisava sair para fumar um cigarro. Ele me pediu calma e apontou a escada para a área de fumantes. Fui na frente. Na metade da escada, olhei para trás, ainda sem acreditar naquele homenzarrão lindo vestido de mulher dos pés à cabeça. Até de peruca o boy estava. Minhas pernas estavam bambas. Ainda incrédula, me sentei, acendi um cigarro e ele foi buscar dois drinks.
Então, soltei a frase de toda mulher que se sente traída: ‘Desde quando, Guilherme?’ Me senti enganada por ele, claro. Mas, estava disposta a ouvir sua explicação. Foi quando me contou sobre seu fetiche por objetos femininos e por se vestir como mulher. Respirei fundo e conversamos muito. Sei lá, naquela hora em que ele me contou tudo, senti uma certa empatia por Guilherme e também sororidade pela mulher que habitava nele. Tentei entendê-lo. Nos abraçamos, foi um momento especial. Daí, lhe disse: ‘Já que estamos aqui, vamos dançar?’ Ele sorriu e fomos para a pista. Ver o homem que tanto desejava daquele jeito foi meio assustador, mas, por outro lado, excitante! Dançamos e nos divertimos muito, como duas amigas que se divertiam juntas. Trocamos uns beijos deliciosos! Ninguém nem ficou olhando, já que estávamos numa boate LGBTQ+ e aquilo era normal. Ficamos umas três horas na boate e depois fomos para o apartamento dele. Confesso que tive a melhor noite de sexo da minha vida! Desejava aquele homem e, ao mesmo tempo, a mulher. Ele tirou sua roupa feminina, ficou só com a maquiagem, o salto alto e as unhas postiças. Transamos a noite inteira. Depois, dormimos abraçadinhos. No dia seguinte, acordamos os dois com a maquiagem borrada, foi uma cena engraçada. Eu tinha removedor de maquiagem na minha bolsa e usei para tirar sua sombra, batom e blush. Foi a primeira vez que transei com um homem vestido de mulher.
Durante o café da manhã, Gulherme me contou que tinha sido casado por sete anos, tinha uma filha de 10 e que a ex pediu o divórcio logo que descobriu seu fetiche pelo universo feminino. Me contou que escondia tudo no porta luvas do carro e que, um certo dia, a mulher encontrou tudo. Ela achou que Guilherme estava traindo e ele lhe contou toda a verdade. Disse que a ela se assustou na hora, mas aceitou por um período. Depois, não teve jeito, ela não soube lidar bem com a situação e se separaram. Desabafando, me disse que era muito difícil se mostrar assim como mulher para outra mulher e que não fazia isso habitualmente. Disse também que não é bissexual, que só sai ou se relaciona com mulheres, mas gosta de usar roupas femininas. E tudo bem. Ele me contou que comprava suas roupas e acessórios em sites femininos e me mostrou seu acervo. Ele tem mais maquiagem que eu!
Quando começou a pandemia, nos afastamos e tivemos alguns desentendimentos. Eu voltei a morar em Manaus e nos tornamos amigos, mas não nos encontramos mais, só nos falamos bastante por mensagens. Talvez ele ainda tenha muitas dúvidas e acredito que aceitar tudo isso é realmente desafiador. Hoje agradeço por ter vivido tudo isso, já que abriu minha cabeça para várias questões que antes considerava anormais ou tinha um certo preconceito. Por outro lado, houve momentos em que brigamos por ele opinar demais sobre a forma como me vestia ou me maquiava, estava sempre dando pitaco sobre a minha aparência. Parecia querer ter mais poder de decisão sobre a forma como me vestia do que eu mesma. Eu tinha que estar sempre bonita e superproduzida, porque ele reparava em absolutamente tudo. Dizia que mulher deveria usar salto alto todos os dias para ficar mais atraente, e que maquiagem também era essencial. Ainda tentei explicar que, em alguns dias, nós, mulheres, não queríamos nada disso. Com o tempo, fui achando a situação bem chata e coloquei um ponto final.
Voltei a morar em São Paulo há poucos dias, mas não nos vimos ainda. Guilherme até me disse que, qualquer dia, deveríamos combinar de almoçar. Mas não rolou e ficamos só na amizade mesmo. Estou no começo de um namoro e me sinto feliz. Ele tem 50 anos, é um cara maduro e gente boa. Com o Guilherme, foi uma relação incrível, cheia de altos e baixos, frio na barriga, algo que me rendeu muita emoção e boas histórias para contar. Mas, confesso que gosto mesmo é de monotonicidade.
Sempre achei que, aos 40 anos, já havia visto de tudo e nada mais iria me surpreender. Me enganei. Amo ler histórias de outras mulheres nas revistas femininas, agora acredito que vivi a mais incrível de todas!”