Saúde

SAÚDE MENTAL: Saiba como lidar com a pandemia que está afetando a saúde emocional de várias pessoas

Diante do número crescente de mortes mundo afora, a covid-19 está causando outra pandemia: a de medo. E não é para menos. O estado afetivo surge sempre que uma situação coloca nossas vidas ou a espécie humana em risco, e nos leva a tomar atitudes para enfrentar o perigo. “O medo é bem-vindo num primeiro momento. Ele está em consistência com essa situação nova, que as pessoas identificam como potencialmente ameaçadora”, diz Jocelaine Silveira, professora de psicologia da UFPR (Universidade Federal do Paraná).

Segundo a psicóloga, o problema acontece quando ele é agudo, como o que muitas pessoas estão tendo nesse momento. Elas ficam acuadas, desesperadas com a ideia de morrer, de perder familiares e amigos, de ficar sem trabalho e não ter dinheiro para sobreviver. Também temem ficar socialmente isoladas por muito tempo ou contrair o vírus ao se aproximar de alguém. Essas sensações devem ser interpretadas como um sinal de alerta, pois podem criar ou piorar doenças psíquicas.

Um artigo publicado por pesquisadores brasileiros no Revista Brasileira de Psiquiatria —baseado em estudos feitos em tragédias, epidemias e pandemias, inclusive a do novo coronavírus — afirma que quando o medo é crônico ou faz o perigo parecer maior do que de fato é, torna-se nocivo e pode ser o gatilho para o desenvolvimento de problemas de saúde mental. Ele aumenta os níveis de ansiedade e estresse em pessoas saudáveis e intensifica os sintomas das que têm transtornos psiquiátricos pré-existentes.

Ainda segundo o documento, durante epidemias o número de pessoas que desenvolvem distúrbios psíquicos tende a ser maior do que as que são afetadas pelo processo infeccioso. “É possível que estas condições possam evoluir para transtornos psiquiátricos depressivos, ansiosos (incluindo crises de pânico e estresse pós-traumático), psicóticos e paranoides e até suicídio”. Se não bastasse, tragédias passadas demonstraram que os problemas de saúde mental podem ser mais duradouros do que a sua causa.

. O corpo também sofre com o medo que estamos vivendo. De acordo com Maria José Femenias Vieira, médica do serviço de check-up do Hospital Alemão Oswaldo Cruz e especialista em psicossomática, quando o medo é intenso, ele desencadeia sintomas como taquicardia, dor de cabeça, aumento da pressão arterial e alterações na pele. Com o tempo, pessoa pode desenvolver doenças como a hipertensão arterial, coronariopatia, diabetes e até câncer.

Isso ocorre porque o temor exagerado do que está por vir altera o sistema imunológico. “Quando vivemos um medo que nos joga para o futuro, desenvolvemos a ansiedade. Isso é persistente. Aí podem aparecer vários sintomas físicos semelhantes aos do estresse, como úlcera no estômago e no duodeno, e gastrite. O corpo inteiro pode sofrer com isso”, enfatiza a médica. A pessoa também pode ter uma angústia profunda, rompantes de raiva e agressividade, alterações na memória e na criatividade e pensamentos repetitivos. E até pegar uma gripe e confundi-la com a covid-19.

O que acontece no cérebro

A função do medo é nos preparar para agir quando algo ameaça a nossa sobrevivência, como quando somos assaltados ou nos deparamos com um animal feroz. Ele nos faz ter estratégias para que possamos sair vivos de situações como essas, nos levando a correr ou nos escondermos, por exemplo. Geralmente o medo provoca uma resposta automática, um reflexo que costuma ser rápido para que a gente se proteja e não sofra consequências negativas, principalmente quando a situação é muito grave.

Nesse momento, algumas mudanças acontecem no nosso corpo. “Há uma descarga de adrenalina. Isso faz com que os nossos músculos fiquem mais fortes, nossa pupila dilate e a gente consiga receber mais informações sensoriais do meio ambiente. Com isso, até mesmo antes de chegar ao plano consciente, já tomamos uma atitude”, explica Fernando Gomes, neurocirurgião e professor livre-docente do HC FMUSP (Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo). Quando a ameaça passa, ocorre uma liberação de cortisol, conhecido popularmente como hormônio do estresse.

No caso da covid-19, o medo nos faz seguir as recomendações de especialistas e órgãos de saúde para prevenir a doença e evitar que ela se espalhe ainda mais. Mas em exagero, ele não faz bem. “A conexão do cérebro com o corpo físico acontece principalmente no hipotálamo, onde o sistema nervoso autônomo simpático e parassimpático que dá essa resposta de estresse também gerencia a imunidade do corpo. Então se estamos estressados, ansiosos e com medo cronicamente, é de se esperar que o sistema imunológico fique menos eficiente”, observa Gomes. Em outras palavras, criamos uma porta de entrada para doenças.

Estamos vivendo num cenário de guerra, com comércios fechados, ruas vazias e notícias tristes que chegam o tempo todo. Para completar, o convívio social, que é uma forma natural de extravasar e equilibrar as emoções, está desaconselhado. Num momento desses, nossas defesas psicológicas podem não dar conta de manter o nosso bem-estar. “É muito gasto energético para a parte racional da nossa mente lidar e quem paga é o andar inferior que tem estruturas cerebrais mais profundas que lidam com as nossas emoções: o sistema límbico”, afirma o neurocirurgião.

Outro sinal de que o medo está passando do ponto vem do sono, já que ele pode interferir no ritmo circadiano —o nosso relógio biológico, que é influenciado por fatores como variação de luz, temperatura entre outras — e causar, principalmente, insônia. A pessoa não dorme direito porque não desliga do assunto. “É necessário fazer uma higiene das emoções, que acontece enquanto a gente dorme e reequilibra os neurotransmissores e o funcionamento do cérebro. Quando não faz, isso piora a ansiedade e a irritabilidade”, salienta Gomes. Então o sono deixa de ser um momento de descanso e vira um tormento, principalmente quando vem acompanhado de pesadelos.

Não finja que nada está acontecendo Ignorar o medo só piora a situação.

A melhor forma de lidar com ele é acolhê-lo. “O importante é a pessoa não negar que está sentindo ou achar que é normal. Ela deve observar se está entrando em pânico, passando de um estado que seria de um alerta desejável para algo excessivo, que a impede de fazer outras coisas”, orienta Silveira. Guardar o sofrimento apenas para si, por vergonha ou por não querer incomodar os outros também é prejudicial. Falar do problema é mais saudável do que pensar nele e em suas consequências o dia inteiro. Até porque ninguém sabe exatamente o que vai acontecer.

Expressar o sofrimento causado pelo medo é necessário inclusive para avaliar melhor a intensidade dele. “Quando a pessoa tem medo, ela tem um grito parado na garganta e às vezes não consegue nem chorar. Só de falar, olhar no olho do outro e ver que não está sozinha, ela já tem um alívio. Como se tirasse aquele grito da garganta”, diz Vieira. Alimentar o medo é outra coisa que devemos evitar nesse momento de pandemia. Isso acontece quando buscamos informações em excesso sobre o novo coronavírus. O pânico pode tomar conta, principalmente em quem acredita em fake news.

O termômetro para saber quando é necessário procurar ajuda para lidar com o medo é o sofrimento que ele causa. Se for brando, aproximar-se das pessoas, mesmo que à distância, pode trazer um alívio. Mas se for intenso a ponto de roubar a energia vital, é hora de buscar um atendimento psicológico online, o CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) ou a UBS (Unidade Básica de Saúde) da sua cidade, caso consultórios e clínicas estejam fechados.

Mas as crianças também merecem atenção especial. “É fundamental deixar que idosos e crianças expressem seus medos e fantasias. Incentivar que os idosos tenham contato regular com outras pessoas virtualmente. E distrair as crianças com atividades lúdicas”, instrui Silveira. No entanto, todos nós devemos ficar atentos se o medo está fugindo do controle, independentemente da idade.

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