‘Se você não for, não vou’. Por que alguns precisam de companhia para tudo?
“Na maioria das vezes, não querer estar só tem a ver com a personalidade, extrovertida”, afirma Luiz Scocca, psiquiatra pelo HC-FMUSP (Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de São Paulo) e membro da APA (Associação Americana de Psiquiatria). De acordo com o médico, pessoas assim “absorvem” energia do meio em que estão. “Precisam de companhia, amizades, conversas, seu maior interesse é pelo externo. É seu funcionamento”, acrescenta.
Mas a interação e o senso de pertencimento também servem de estímulos para driblar a insegurança e a preguiça. Quando não é “normal”, buscar constantemente por companhia pode ter relação com baixas autoestima e autoconfiança, carência afetiva, ansiedade, isolamento e até síndrome de pânico. Chamado de monofobia ou emerofobia, o pavor persistente e irracional de ficar ou se reconhecer sozinho, mesmo que dentro de casa e por curtos períodos, provoca sintomas como palpitações, suores frios, dor no peito, respiração ofegante, náuseas e confusão mental.
As primeiras manifestações geralmente ocorrem na adolescência, como um desequilíbrio em decorrência de muitas mudanças súbitas e simultâneas relacionadas a alterações hormonais, neurais, sociais e de pressões da vida e que se somam às necessidades de pertencimento e adaptação. Mas as causas não são muito compreendidas e o risco pode se potencializar em quem também já apresenta outras perturbações, como traumas de abandono e transtornos.
Relações que alimentam dependência também podem ser um fator predisponente. Impostas e assimiladas como fundamentais para se sobreviver ou ser amado, fomentam angústia, preocupação o tempo todo e “prendem” a pessoa a relacionamentos abusivos, prejudicando sua vida em diversas áreas. “É adoecedor em se tratando de casais, mas principalmente quando a pressão psicológica parte dos pais. Isso anula o sujeito e ele passa a ser visto como objeto na relação”, informa Joeuder Lima, doutorando em psicologia pelo IESLA (Instituto de Educação Superior Latino-Americano) e psicólogo da Clínica Saúde Vida Plena, em Palmas (TO).
Nem tudo requer companhia
Embora socializar, ter amigos nos motive e ajude a realizar determinadas tarefas ou vontades que sozinho às vezes parecem ser mais difíceis ou dão aquela desanimada, como praticar atividades físicas, viajar para um lugar desconhecido, conhecer gente nova em uma festa, nem tudo na vida requer acompanhamento. O estar só e a individualidade são necessários, principalmente para se conhecer melhor, tomar decisões, estabelecer limites, valorizar suas particularidades, aprender a respeitar as escolhas, o espaço e a privacidade dos outros.
“Para algumas situações, é melhor trabalhar em equipe, estar em grupo, se relacionar. Mas também existem atividades, como as que envolvem leitura, meditação, reflexão, que exigem um aprofundamento silencioso e individual”, explica Henrique Bottura, psiquiatra, diretor clínico do Instituto de Psiquiatria Paulista e colaborador do ambulatório de impulsividade do HC-FMUSP (Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de São Paulo).
A aquisição de independência e responsabilidade para enfrentar o mundo e resolver questões pessoais e problemas diários também depende do não poder contar com os outros e ter de se virar sozinho. Inicialmente, quando ainda não atingimos autonomia, dependemos dos nossos pais, dos adultos, mas depois (inclusive de aprender o aprendizado de como se fazer algo), isso nos permite e prepara para desafios e aquisição de novas habilidades e conhecimentos de acordo com a nossa própria vontade, velocidade e ritmo.
Individualidade não é solidão
Para termos relações saudáveis é fundamental encontrar um equilíbrio e saber a diferença de quando precisa realmente ou não dos outros, para não nos prejudicarmos como os que nos rodeiam, que, demandados 24 horas por dia, e pior, contra vontade, podem se sentir sufocados e enfrentar problemas no trabalho, em casa, nos relacionamentos. Reconhecer e aceitar isso é possível e um sinal de maturidade. O segredo para qualquer relacionamento dar certo é deixar claro que somos livres, mas nos mantemos conectados por vontade mútua, não por obrigação. É possível, mas não quer dizer que seja fácil.
“Por isso, muita gente tem se tornado solitária, especialmente nos grandes centros urbanos,ou que promovem viagens e programações em grupos e coaching para gerenciar o tempo disponível. Agora, se a pessoa sofre por estar sozinha, ou deseja socializar, mas não consegue, por criar muita expectativa ou por conta de insegurança, sentimento de incapacidade, medo, isso significa que ela precisa de psicoterapia, até mesmo para, eventualmente, tratar outras questões. Isso vai ajudá-la a desenvolver e compreender melhor sua personalidade sem sofrimento. Quando são diagnosticadas limitações graves e sozinha a pessoa não tem nenhuma condição de se cuidar, sair na rua, é preciso, além de acompanhamento, tratá-la com medicamentos..