Cultura

A Amazônia de outrora – da opulência à indigência por Edson Silva

Se queres a paz, prepara-te para a guerra;

Se queres um futuro promissor, estude a história de teu povo.

 A América entrou na História “mundi” com a aventura da viagem de Cristóvão Colombo, em 1492. Pelo Tratado de Tordesilhas, firmado em 7 de junho de 1494, a maior parte das terras da Amazônia passou a pertencer à Espanha. Porém, a Coroa espanhola dedicou pouca atenção à região durante o século XVI, posto que não havia ainda encontrado quaisquer fontes de riqueza imediata que lhe fosse interessante, a exemplo do que ocorreu em outras áreas de colonização (REIS, 2001).

Em 1498, Cristóvão Colombo chegou à altura da foz do Rio Orinoco. Dois anos depois, a expedição comandada por Vicente Yañez Pizón atingiu o território do atual Brasil e alcançou o estuário do Rio Amazonas, tomando posse em nome da Espanha e o batizando de “Santa Maria de la Mar Dulce”.

“Segundo os dados oficiais, muitas expedições foram realizadas com a finalidade de conquistar a Amazônia. Os espanhóis foram os que mais tentaram, chegando a realizar, entre 1500 a 1570, vinte e duas expedições. Os ingleses empreenderam oito (…), os franceses, no mínimo, sete (…), na fundação do forte do Presépio, em 1616”.

A primeira expedição europeia a navegar por toda a extensão do Rio Amazonas foi a do espanhol capitão Francisco de Orellana que, em 1542, fez o reconhecimento de sua foz e lhe deu o nome atual, tendo como cronista da viagem o frei Gaspar de Carvajal (CARAJAL, 1992). O viajante encontrou as margens do rio e de seus afluentes densamente povoadas (MONTEIRO, 1994), com aldeias atingindo várias “léguas” de extensão, algumas das quais considerou bem construídas, com “vias” longas, amplos ancoradouros e muitos barcos. Os nativos cultivavam milho, mandioca e inhame, e dedicavam-se ainda à caça, à pesca e à criação de tartarugas.

Portugal e Espanha estiveram sobre a mesma coroa entre 1580 e 1640, sob os governos sucessivos do rei Felipe da Espanha e de Portugal ao mesmo tempo (GARCIA, 2006). Com isso a entrada dos portugueses em territórios amazônicos foi facilitada naturalmente, assim como foi incentivada a presença de outros europeus na Amazônia (REIS, 1989).

Portugueses investindo na Amazônia colonial

Francisco Caldeira Castelo Branco chegou à foz do Rio Amazonas em 12 de janeiro de 1616, fixando residência na confluência do Rio Guamá com o Parauaçu, o grande rio dos índios Tupinambás, hoje denominado Rio Pará. Construiu o Forte do Presépio, em torno do qual fundaria a cidade de Santa Maria de Belém do Grão-Pará.

Bento da Costa, piloto da armada de Pedro Teixeira, produziu em 1638 o Mapa do rio das Amazonas. Sertanistas portugueses, de posse desse mapa, aventuravam na busca de ouro, caçavam índios e coletavam drogas do sertão. As drogas – no linguajar da época – eram o cacau, a baunilha, a canela, o cravo, as raízes aromáticas, apreciadíssimas riquezas naturais, abundantes em todo o vale. Em suas penetrações, levaram à escravidão quantos indígenas encontrassem. Os nativos, assim subtraídos à liberdade, carregados às centenas para Belém, eram vendidos aos moradores por preço definido pelo governador e pela Câmara local.

Os estudos cartográficos referentes à Amazônia, produzidos antes de 1750, trazem informações de cartógrafos holandeses, franceses, espanhóis, alemães e italianos. Os portugueses preocupados em assegurar e expandir os limites de seus domínios nos confins da Amazônia sentiram necessidade de conhecer e levantar informações técnicas sobre as características físicas da região. José Gonçalves da Fonseca recebeu a incumbência de realizar estudos cartográficos que resultaram no Mapa do Rio Madeira, desde as nascentes dos rios Beni e Mamoré até a foz, no rio Amazonas, em 1747. Em 1750, ele desenhou a Carta hidrográfica em que descreve as origens de vários dos grandes Rios da América Meridional Portuguesa (…)

Origem das cidades da Amazônia Colonial

O plano urbanístico proposto para as cidades na Amazônia foi parte integrante do projeto do Marquês de Pombal (1699-1782) em integrar a Região ao território português e dar às cidades da Amazônia feições lusas (MAXWELL, 1996), visando torná-las economicamente rentáveis à Portugal e estruturalmente subordinadas a ele. Ou seja, na base de toda a ação pombalina da Amazônia estava a ideia de um novo “desenho”, que implicava não só a fixação de fronteiras concretamente demarcadas no espaço, como também a transformação do quadro socioeconômico da região, que assim seria “redesenhada” em moldes iluministas.

O processo de reforma urbana da Amazônia implicou numa reorganização de praticamente todas as povoações da região. As ocupações que anteriormente possuíam nomes indígenas ganharam nomes de santos, quando foi implantado o Regimento das Missões, com Pombal foram rebatizadas com nomes lusos.

As pesquisas arqueológicas realizadas no Baixo Amazonas revelam que o homem americano viveu há 11.200 anos nas cavernas das serras do do Ererê e Paytuna (sítios arqueológicos na região de Monte Alegre). A política de ocupação das cidades da Região do Baixo Amazonas: Belém – Pará (1616), Almeirim – Pará (1685 – 1690), Monte Alegre (16..), Alenquer (16..), Santarém – Pará (1661), Óbidos – Pará (1697), e Manaus – Amazonas (1669) indicam que a definição de uma estratégia portuguesa de ocupação territorial, econômica e política da Amazônia brasileira ocorreu a partir de 1615.

Depois da viagem de Pedro Teixeira em 1637 o espaço amazônico foi sendo desvendado e integrado econômica e politicamente à Portugal numa estratégia que foi: fortificar as terras já ocupadas por seus primitivos habitantes; explorar matérias-primas e drogas do sertão economicamente rentáveis a Portugal; controlar o índio para apossar-se de suas terras, sua força de trabalho, e da procriação da mulher índia. A espinha dorsal da ocupação portuguesa na Amazônia foi o indígena: seu braço, seu cérebro e o ventre da mulher índia. O índio amazônico foi a ponta-de-lança que garantiu a Portugal na época do Tratado de Madri (1750), o maior território possível na Amazônia, e o instrumento para a implementação do plano geopolítico da Coroa Portuguesa em seus enfrentamentos com outros colonizadores europeus.

Santarém, recebera esse nome do tempo que Marques do Pombal projetara a ocupação de toda a Amazônia para construir dela um grande império lusíada. Cidades de defesa difícil na costa marroquina, como Marzagão, tinham sido abandonadas pelos portugueses e a população transferida para Amazônia onde foram fundadas povoações com nomes evocativos, Óbido, Faro Aveiro, Bragança, Mazagão Chaves, Melgaço, Oeiras, Pombal, Almerim, Espozendo, Vila Franca, Alter do Chão, Arraiolos.

Famosos cientistas, exploradores do mundo foram acolhidos na cidade símbolo desse projeto, Santarém e nas capitais Belém e Manaus – o naturalista Richard Spruce, La Condamine, o botânico Martius, o botânico barão de Humboltd, o botânico Spix, o ornitologista Goeldi, o barão russo Langsdorff, Darwin, Herdon, Gibbon entre outros. Entusiasmados com informações de um meio ambiente distinto do Velho Mundo partiram para comprovar tantas maravilhas cantadas em verso e prosas. Riquezas que desejavam ver reproduzidas e exploradas pelos países europeus conquistadores de novas terras.

Biodiversidade amazônica

Adaptado à região o naturista Spruce pode afirmar: era uma flora muito diferente da medíocre vegetação do seu Yorkshire natal. Num dia saia a coletar espécimes; no dia seguinte, procedia a prensagem e classificação, formando, ao cabo de um ano coleções de duas mil espécies diferentes, que passaram a ter grande procura por parte dos museus do Velho Mundo.

Ilustres visitantes mostravam conhecer melhor a região que os brasileiros contemporâneos.

Corria no Velho Mundo sobre a Amazônia, “não há, em nenhum recanto da terra nada mais grandioso. O rio é o maior caudal do globo. Perto do Amazonas os grandes cursos d’água não passam de modestas goteiras”.

Levantamentos hidrográficos (Serviços de Hidrologia do Departamento do Interior dos Estados Unidos) constataram que o Rio Amazonas supera em 12 vezes o tamanho do rio Mississipi, 5 vezes mais volumoso que o Rio Congo, despeja no Oceano Atlântico 12 bilhões e meio de litros por minuto, tem 10 pontos com profundidade superior a 100 metros. É uma calha coletora das águas que irrigam a vastidão de cerca de 6.000.000 de quilômetros quadrados. A cor escura das águas é devida a milhões de metros cúbicos de matéria em suspensão.

Há uma riqueza profusa para prospectar – diversos afloramentos de minérios valiosos. Minérios dos mais variados são encontrados na imensidão de seis milhões de quilômetros quadrados, superfície que cabe toda a Europa reunida, sobrando ainda espaço para conter outras terras.

A Hileia Amazônica apresenta uma selva rica em variedade de madeiras e óleos preciosos, resinas aromáticas, um laboratório a céu aberto de tinturas. Parque florístico e estufa de flores do paraíso. Farmácia com grandes remédios e venenos terríveis.

Reconhecida mundialmente por ter mais de 45.000 espécies de plantas e animais vertebrados.

Região onde floresceu mais do que em qualquer parte do mundo a árvore da ilusão – a Hevea brasiliensis.

Na Amazônia legal presentes três, dos seis Biomas que constituem a Diversidade Biológica do Brasil. A área mais rica em Biodiversidade do globo está em Cruzeiro do Sul/Acre, na base da Serra do Divisor. Em segundo lugar temos Pakitza e Tombopata, no Peru, e Cacaulândia em Rondônia – todos na Amazônia.

Epopeia em terras amazônicas

Dizia-se, os rios Juruá e Purus eram inabitáveis; na região de Santo Antônio/atual Rondônia, Osvaldo Cruz quando a visitou, no começo do século 20, encontrou a totalidade de seus dois mil habitantes contaminados pela malária; o alto Purus, em relatório enviado à Real Sociedade de Geografia de Londres foi afirmado ser inabitável, devido a insalubridade.

Em 1877 aconteceu uma seca sem precedentes no Ceará. A borracha estava em alta e faltava gente para sangrar milhares de heveas dispersas na selva amazônica. Multidões de cearenses aceitaram o desafio. Encontraram nas matas, não só ocupação imediata e salvadora, como possibilidade de remuneração altíssima, capaz de proporcionar, ao longo de uns três anos, um pecúlio de alguns contos de réis (para a época uma fortuna). O Acre, antes desconhecido, conhecido como terra difícil, foi varado de ponta a ponta, anexado pela ocupação dos indômitos cearenses ao território nacional.

Os rios eram as estradas de penetração; até onde podiam chegar os “vaticanos” e “gaiolas”, como eram chamados os barcos a vapor, havia regularidade no transporte fluvial e conforto. Aqui cabe uma observação de grande relevância histórica: a Amazônia teve uma frota fluvial sem igual no mundo, composta de trezentos excelentes navios a vapor.

A borracha proporcionou a modernização de Manaus, que se expandia sobre pântanos, e deu nova roupagem a velha Belém, com novas avenidas e os bondes mais modernos da época. Não havia nada igual no Brasil, nem mesmo na América inteira. Essa riqueza possibilitou ao Brasil comprar os maiores encouraçados do mundo – o São Paulo e o Minas Gerais. Um terceiro, ainda maior, não chegou a ser entregue porque a guerra de 1914 estava iminente.

Mundo das artes

Theatro da Paz – fundado em fevereiro de 1878 em Belém, tida como a capital da borracha, durante período áureo do produto, quando do grande boom econômico da região. Com tanto progresso precisava de um teatro, e o teve inspirado na arquitetura do Teatro Scalla de Milão. Foi a primeira casa de espetáculos da Amazônia. Majestosa, foi concebida para 1.100 lugares, piso em mosaico de madeiras nobres, lustres de cristal, afrescos nas paredes e tetos, e outros elementos decorativos revestidos com folhas de ouro.

Teatro Amazonas/Manaus – 1881 projeto de lei para construção; 1884 lançada a pedra fundamental para construção; 1896/97 finalmente inaugurado o Teatro Amazonas com a récita operística “La Gioconda” pela Companhia Lírica Italiana. É o principal símbolo cultural e arquitetônico do Estado do Amazonas, mantem vivo boa parte da história do ciclo da borracha, época de ouro da capital amazonense. Foi edificado em estilo Renascentista Eclético para atender ao desejo da elite amazonense da época que idealizava a cidade à altura dos grandes centros culturais do mundo.

Em 1905, um cálculo de distribuição de riqueza nacional encontrou, para o amazonense uma renda per capta, cinco vezes maior do que a do paulista, então no apogeu do café.

Do reinado absoluto ao declínio do El Dorado amazônico

O conhecimento da borracha era antigo, mas sua intensa procura só começou quando da descoberta da vulcanização. Em 1850, começou a exploração intensiva da borracha, foi aumentando ano a ano. Ao final do século a produção atinge 20 milhões de quilos. Em 1905, a produção da Amazônia brasileira atinge 35 milhões de quilos e o câmbio passa de 7 para 16, fazendo a alegria do amazônida. Em 1910 a exportação da borracha alcança 40 milhões e 800 mil quilos. Enquanto o café, em seu apogeu, contabiliza vendas da ordem de 385.493 contos de réis, a borracha alcança valores de 376.971 contos de réis.

Eis que de repente (1910) a borracha procedente da Ásia surge no mercado do Velho Mundo. Sem crepúsculo de transição a espessa noite do comércio da borracha baixou sobre a Amazônia. E quando a borracha agonizava dramaticamente muitos brasileiros continuavam indiferentes à sua sorte.

A partir de 1911 o declínio se faz sentir, causando desânimo nos seringais. A produção ainda se mantem em torno dos 30 milhões de quilos até 1920, porém o câmbio cai para casa do 8. Continua o desânimo nos seringais, e em 1932 a produção da borracha cai a exatas 6.550 toneladas, a um câmbio de 3.

Era o fim do império da opulência. Uma grande miséria implantada no riquíssimo vale amazônico.

http://historiainte.blogspot.com/2013/06/ciclo-da-borracha-dos-primordios-ate.html

Eis que em 1942 um fato novo dá um alento a produção e comércio regional. Voltaríamos à exuberância de nossos melhores momentos de ostentação?? – A invasão do Japão no sul asiático, tomando a área de produção da hevea pirateada da Amazônia oferece-nos uma excepcional oportunidade. Lamentavelmente, o ministro da Fazenda do Brasil, Souza Cruz, fixou em 45 centavos a libra peso de cotação máxima para o quilo da borracha (em 1912 o valor fixado de 85 centavos já tinha sido considerado impraticável para estimular a produção). Uma política econômica medíocre do governo brasileiro acabou por sepultar um novo ciclo da borracha, assinando seu atestado de óbito. Perdeu o produtor, a Amazônia, perdeu o Brasil.

Ganância do homem europeu

A produção da borracha em espiral crescente. De 10 milhões de quilo por ano passou a 35 milhões, depois a 45 milhões, e o quilo chegou a valer uma libra esterlina. Os grandes cartéis mundiais procuraram levar essa riqueza para outras partes do mundo, onde fosse para eles mais fácil e rendosa a exploração. Começado o século XX apareceram as primeiras amostras de borracha asiática no mercado europeu, 500 toneladas, com preços tentadoramente baixos. Em 1910 a Ásia produziu 8.200 toneladas, em 1912 somaram 29.890 toneladas. Anos seguintes expandiram a produção com preços mais baixos que o mercado brasileiro. Em 1914, início da 1ª Guerra Mundial as plantações asiáticas ganharam a batalha das florestas amazônicas.

O trabalhador asiático se contentava com 200 réis por dia, suas árvores estavam dispostas em alamedas, facilitando a coleta. O seringueiro da Amazônia carecia de um mínimo de 2 mil réis por dia, suas árvores eram esparsas. Havia também grande distância a percorrer para embarcar o produto, enquanto na Ásia os seringais estavam relativamente próximos dos portos de embarque. Tudo conspirava contra a Amazônia.

Biopirataria destruiu a pujante economia amazônica

William Hooker, chefe do Knew Gardens, maior e mais perfeita estação experimental de plantas do mundo, pagou missão para Spruce obter mudas da árvore da borracha.

Em 1872 o botânico Henry Wickham junto com Richard Spruce embarcou, sigilosamente, em um navio preparado para conduzir uma carga dez mil balaios de muda de variadas espécies de Hevea brasiliensis, destino Londres. Os botânicos estudam a Hevea brasiliensis transplantando-as para a península da Malaia e Ceilão, sem o conhecimento dos eufóricos brasileiros da Amazônia. Ainda durante trinta anos os caudais de ouro jorraram na Amazônia.

Em 1910 no Ceilão as seringueiras ali aclimatadas produziam entre 500 e 600 gramas de látex por árvore já desenvolvida. No Acre chegavam a render 3 quilos por árvore, e na região onde hoje é Rondônia, acima da média de 3 quilos. Uma questão de melhor organização nos processos naturais de coleta e preparação do látex, um plano estratégico governamental de estadista visionário, elevaria nossa vantagem competitiva.

Essa a epopeia da Amazônia. Mais sedutora do que a corrida do ouro e dos diamantes, que poderia ter erguido o norte do Brasil a uma das regiões mais ricas da terra. Tivesse durado mais trinta anos e toda aquela riqueza se consolidaria. Os números apresentados atestam a citação. Sem sombra de dúvida, a noite veio do Oriente, pela ganância dos ingleses, fruto da biopirataria. A galinha dos ovos de ouro, calçada em apenas um produto levou a bancarrota a economia de uma área maior que todos os países da Europa juntos.

Edson Silva, 16.09.2020.

Bibliografia

file:///C:/Users/home/Downloads/2408-9231-1-PB.pdf Revista Eletrônica EXAMÃPAKU | ISSN 1983-9065 | V. 07 – N. 02 | Maio. Agosto/2014 | http://revista.ufrr.br/index.php/examapaku

Verdades e Mistérios da Amazônia, de Barros Ferreira, Clube do livro, São Paulo, 1967.

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